Fernando Aguiar
SEM TÍTULO
Todos os livros do Mundo me
pertencem
- disponho de boas mãos e de olhos
rápidos a perseguir no escuro
as palavras ocultas -
porque é meu o subtil pé-ante-pé
de números e de nomes, cores
diferentes
onde os livros sua morada
encontram
e de onde nascem.
Nem cínico nem inocente - apenas
deslizante
entre madeira, pedra, luzes,
rastos
que de fora se chegam (caspité!).
É necessário possuir o mais
extremo cuidado
e um fato singular ou então de
Inverno
- que o homem calvo à espreita
sempre está
a fim de caçar ora um endereço
ora uma expressão, ora um botão
- que teima! - desapertado.
(De súbito, a imagem dum frasco
vazio
em que um bálsamo contra o acne
se verteu
- são lá coisas dos médicos -
fornece novas argutas estratégias
e de terras distantes faz falar
com seus costumes inviolados
Lugares, é bem de ver, dos quais
o perigo
também fez sua casa
e onde os frutos aguardam nas
gavetas
que alguém os retalhe e
desfigure)
O homem calvo ou a moça das
doenças
das confusões, das rendas e dos
flirts
aliás de bom tom e boa fé.
Não é pequena, entanto, a
maldição:
aos outros ainda é dado contar
dos ventos, dos desânimos, dos
doutores, das fechaduras
A mim somente me é lícito
dar por história a sombra de uma
busca
rapinanço mais que tudo legítimo
(sacra juventude, tão alerta
afinal!)
e o aperto de mão que tudo salva
como um brasão de inteireza
de quem está entre comas.
É então que o Medo às vezes vai
connosco
na nossa caminhada para o lar
nestoutro continente simulado.
Todos os livros do Mundo me
pertencem
- bons sustos me têm custado! -
que o sistema é só ter a relação
entre dedos e recordações de
nebulosos
pedaços de matérias negras
vindas lá do começo de tardes
domingueiras
ou então de nada reconhecível
a não ser de alguns minutos ao
fim da vida.
Todos meus são
como por um acaso
- que todavia transborda
da rapidez de gestos e palavras.
Quem não entender que os compre
- ou que analfabeto fique...
CESÁRIO REVISITADO
Um armário, quando se abre faz sair
de qualquer prateleira sonetos ou memórias.
E então é assim: deverá dizer-se infância?
Ou burguesa dengosa? Ou repolhos franceses?
Ou manjericão, que alinda as
estrofes várias?
A palavra é, como se sabe,
inútil
se pelo meio perdemos anos ou
dedos impacientes
pondo-se em tudo: sentimentos
nutridos
de coisas que encontramos ou
buscamos achar
em seios parisienses ou vamos lá
lisboetas
connosco em férias numa esplanada
de manhã
ou seja em Carcavelos fumando o velho cigarro
ligeiramente a Sul da loja onde
guardava
a memória dum Pai, a côdea
manducada
no verdadeiro “Sentimento dum Ocidental”. Sim
moçoilas, saudáveis e prestantes
como nos louváveis alexandrinos
de bastante coleguia p’ra depois
do desmaio amoroso ou antes
manuscrito
na Quinta se calhar de
Linda-a-Pastora
que é recanto onde laranjas bem
se encontram
como versos roubados e que logo
após se recomendam aos fregueses
do poema próprio ou alheio. Indiferente substância
desta e doutras
comerciais casas. O vate
procura em diversos estancos sua
matéria
de viver ou morrer com chapéu na
cabeça
e exegetas ao lado, perna fina
de escrita ou surrobeca
nacionais. Peixe podre
afinal e rimas inglesas bem ferradas
com algum leve foco de infecção
bem para dentro dos versos e das
cores: azul
ou verde ou vice-versa (como na anedota)
onde deviam estar violeta
ou branco nocturno. E é bom
dizer-se
- para quem saiba destas coisas
singulares -
que o Mestre o querido Mestre o tal do corpo
setentrional e sapiente (um pouco
digamos ao jeito do António Nobre, que por pirraça
habitava caspité!
outro Parnaso)
nos seus melhores momentos dorme
agora
entre braçados de camélias
ou erros tipográficos
- espinafres, beldroegas,
pimentões
que é esse o melhor prato da
Poesia. E isso tem
uma tal melancolia, podeis crer
que a mostrar-se em Lisboa explodiria
e rimas que aparecessem lhes
chamaria um figo.
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