segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Três poemas de H. P. Lovecraft

 


ns



O LIVRO

 

O lugar era escuro e poeirento, meio perdido

Num labirinto de vielas junto aos molhes,

Cheirando a coisas raras trazidas de outros mares,

Envolto em estranhas névoas agitadas p’lo vento.

 

Uns vidros em losango, que a geada e o fumo velavam

Deixavam entrever pilhas de livros, como torcidas árvores

Desde o sobrado ao tecto – putrefacto amontoado

De sapiência antiga a baixo preço. Enfeitiçado

 

Entrei,  e dum montão cheio de teias

Um cartapácio tirei e ao acaso o folheei,

Estremecendo ao ler palavras raras  que pareciam

Esconder de olhares humanos  um prodigioso segredo.

 

E então, quando o vendedor astuto  em volta quis achar

Apenas um eco de gargalhadas pude encontrar.

               

 

A PERSEGUIÇÃO

 

Guardei o livro debaixo do casaco, preocupado por furtar

Tal objecto aos olhares em semelhante sítio.

Enquanto apressava o andar ao longo das velhas ruas

Do porto, virava a cada instante   receoso   a cabeça.

 

Opacas e furtivas nas vacilantes casas de tijolo

As estranhas janelas espreitavam os meus rápidos passos

E, intuindo o que almejavam custodiar,  ansiava

P’lo clarão redentor de um puro azul de céu.

 

Ninguém me vira furtá-lo... e no entanto

Ainda tinha na cabeça uma ôca risada,

E  percebi que mundos de nocturna maldade

Enchiam o volume que havia cobiçado.

 

O caminho tornava-se cada vez mais estranho. Os muros

Demenciais assemelhavam-se. E atrás de mim,

Ao longe, uns passos invisíveis ressoavam.

 


A CHAVE

 

Não sei que deambulações pelas desertas

E estranhas ruas do porto me levaram

Até ao lar. No vestíbulo  comecei a tremer

Lívido  com a pressa de entrar e de me achar

Trancado a ferrolho por trás da pesada porta.

 

Tinha o livro que indicava a via oculta

Que atravessa o vazio e as suspensas telas espaciais

Que sustentam em suas raias os mundos sem dimensão

E guardam a eternidade no domínio que lhe é próprio.

 

Por fim  era minha a chave daquelas vagas visões

Espirais ao sol poente   bosques crepusculares

Gerando o opaco nos abismos além dos limites da terra

Ocultando-se como memórias de infinidade.

 

Era minha a chave,  mas enquanto ali estava

Sentado  e balbuciando

No sótão  uma leve pressão fez abanar a janela.

 

 

in “Os fungos de Yuggoth”

“Black Sun Editores”

Tradução e prefácio de ns


Sem comentários:

Enviar um comentário

Aos confrades, amigos, adeptos e simpatizantes

     Devido a um problema informático de última hora, não nos será possível fazer a postagem desta semana.    Esperando resolvê-lo em breve,...