ns
O LIVRO
O lugar era escuro e poeirento, meio perdido
Num labirinto de vielas junto aos molhes,
Cheirando a coisas raras trazidas de outros mares,
Envolto em estranhas névoas agitadas p’lo vento.
Uns vidros em losango, que a geada e o fumo velavam
Deixavam entrever pilhas de livros, como torcidas árvores
Desde o sobrado ao tecto – putrefacto amontoado
De sapiência antiga a baixo preço. Enfeitiçado
Entrei, e dum montão
cheio de teias
Um cartapácio tirei e ao acaso o folheei,
Estremecendo ao ler palavras raras que pareciam
Esconder de olhares humanos
um prodigioso segredo.
E então, quando o vendedor astuto em volta quis achar
Apenas um eco de gargalhadas pude encontrar.
A PERSEGUIÇÃO
Guardei o livro debaixo do casaco, preocupado por furtar
Tal objecto aos olhares em semelhante sítio.
Enquanto apressava o andar ao longo das velhas ruas
Do porto, virava a cada instante receoso
a cabeça.
Opacas e furtivas nas vacilantes casas de tijolo
As estranhas janelas espreitavam os meus rápidos passos
E, intuindo o que almejavam custodiar, ansiava
P’lo clarão redentor de um puro azul de céu.
Ninguém me vira furtá-lo... e no entanto
Ainda tinha na cabeça uma ôca risada,
E percebi que mundos
de nocturna maldade
Enchiam o volume que havia cobiçado.
O caminho tornava-se cada vez mais estranho. Os muros
Demenciais assemelhavam-se. E atrás de mim,
Ao longe, uns passos invisíveis ressoavam.
A CHAVE
Não sei que deambulações pelas desertas
E estranhas ruas do porto me levaram
Até ao lar. No vestíbulo
comecei a tremer
Lívido com a pressa de
entrar e de me achar
Trancado a ferrolho por trás da pesada porta.
Tinha o livro que indicava a via oculta
Que atravessa o vazio e as suspensas telas espaciais
Que sustentam em suas raias os mundos sem dimensão
E guardam a eternidade no domínio que lhe é próprio.
Por fim era minha a
chave daquelas vagas visões
Espirais ao sol poente
bosques crepusculares
Gerando o opaco nos abismos além dos limites da terra
Ocultando-se como memórias de infinidade.
Era minha a chave, mas
enquanto ali estava
Sentado e balbuciando
No sótão uma leve
pressão fez abanar a janela.
in “Os fungos de Yuggoth”
“Black Sun Editores”
Tradução e prefácio de ns
Sem comentários:
Enviar um comentário