Roda
Pois pertence ao destino
que todas as coisas corram
para a sua perda e
regressem, cada vez mais apagadas.
Geórgicas, Vergílio
Avança
entre flores a roda do destino,
entre
destroços. As flores que carrega e se esmagam
de
encontro ao ferro, vivem ainda um átimo
e
um perfume evanescente ainda nos ilumina.
Mas
logo queimam, murcham, se degradam.
E
de novo nascerão, após as chuvas abundantes
encerrando
o longo círculo da secura,
o
ciclo sem tréguas da terra extrema.
Com
vigor redobrado se erguem, nada mais que ervas,
desdobrando
seu esplendor gratuito, surgido ao sol
livres
de qualquer utilidade. E nós, sob o jugo
sempre
sujeitos, que o estômago e cuidados renovam
num
giro sem fim, nós aspiramos o perfume novo
que
o rodar da roda já espreita e esse instante sorvemos
já
quase fenecido. Antes que se vão, por trás da montanha,
os
fulgores últimos, ainda as vemos, correndo para a perda
como
nós corremos, e regressando, um momento breve,
já
desvanecido, e cada vez mais declinantes.
E
assim entraremos, perdidos entre flores,
no momento
expectante desde o berço, e a roda rodando
nos
lançará, quando ela quiser, pela porta sempre aberta,
negror
total talvez, cegos talvez do clarão
e
deslumbrados.
1995
Escalada
O
deus é isso que diante de teus olhos tens
-
porém invisível.
Em
abril a árvore com seus ramos pesando
de
rosa branco carregados,
flores
de múltiplas pétalas, massas algodoando,
recôndita
formosura que espargem em caprichos de forma,
casuais
e de recorte afinal sutilíssimo.
A
árvore as oferece e tu sabes que ela
o
não soube, impassível perante o esplendor que porta,
portadora
ela também do que ignorante derrama,
como
a mulher jovem sua desnuda beleza
de
um ventre florindo.
Mas
ao rosa arborescente não responde o teu sangue
ou
sequer memória.
Por
isso acima, e mais acima te eleva,
mais
alto e mais puro,
o
deus de braços rosa, de espessas pétalas finíssimas.
1995
in
“Flor dum dia”
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