segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Gaspar Garção, Literatura de “Praia” e Literatura “Académica"

 


Alice Rahon

 

   Um dos fenómenos mais interessantes das últimas décadas no mundo da Literatura tem sido, inegavelmente, o dos “best-sellers”, verdadeiros “mastodontes”, quer seja no tamanho de cada exemplar, nos inúmeros volumes que se seguem ao sucesso inicial, nas promoções feitas em todos os meios de comunicação, nas inevitáveis - e geralmente deturpadas - adaptações para cinema, ou no número “obsceno” de vendas, que até em Portugal causam sensação; enfim, a denominação de fenómeno que se usa porque sugere “histeria de massas”, algo que terá a ver com a camada inculta da população, que prefere a cultura descartável, na moda e pouco difícil de apreender.

   A distinção entre “Alta Cultura” e “Baixa Cultura”, geralmente feita pelos entendidos como sendo o entretenimento de elites e o entretenimento de massas, nada tem de científico, mas poderá começar a perceber-se através das categorias em que – subjectivamente – são alinhadas.

   À Pintura Clássica ou dos Mestres, à Música Clássica, à Ópera e ao Cânone Literário estudado nas universidades, sem esquecermos o cinema de autor e os apelidados de “Filmes de Qualidade”, contrapõe-se na Baixa Cultura o comercial, o vendável, o instantâneo, as super-produções de Hollywood e os tão mal afamados “best-sellers”, a música pop e a Geração MTV, as séries de T.V. e a banda desenhada para “fanáticos”, a ideia de que se está a vender algo, que além de ser de pouca qualidade fará inevitavelmente no futuro com que o Coeficiente de Inteligência dos seres humanos baixe para níveis assustadoramente “americanizados”.

   O interessante, a meu ver, nesta discussão útil, é que indiscutivelmente o Tempo é o grande nivelador, o grande árbitro em matérias de gosto e a não ser que a extrapolação futurista dos críticos na moda e das “eminências pardas” da cultura anglo-saxónica seja dum nível Nostradamiano, as suas “sentenças” serão apenas conjecturas baseadas no seu gosto pessoal, nos géneros artísticos em voga e nos seus desejos pessoais de influenciar a “grande corrente” cultural do mundo ocidental.

   E se mais provas forem necessárias em relação à importância do passar dos anos e das modas na asserção da qualidade cultural, basta lembrarmo-nos da forma como a “Opera Buffa”, as obras-primas de Shakespeare e o cinema dos “nickelodeons” eram vistos no início destas manifestações culturais: como um gosto abjecto, das classes populares mais baixas e pouco instruídas, os primeiros locais a fechar quando ocorriam epidemias e geralmente proibidas de tempos a tempos pelo seu carácter popular, revolucionário e contra as elites instituídas.

   E voltando ao início desta crónica e aos “livros de hipermercado”: se o facto do meu gosto pessoal se inclinar mais para os geniais romances que li ultimamente, adquiridos por acaso em heróicas livrarias que teimam em remar contra a maré, como por exemplo “Kafka à Beira-Mar”, de Haruki Murakami, “2666”, de Roberto Bolano e a trilogia póstuma “Millenium”, de Stieg Larsson, é impossível negar o facto de que estes livros, que acredito irem perdurar muitos anos na mente de quem os leu – e talvez até um dia atinjam a suprema honra de subir ao panteão dos estudos literários, para uma dissecação impiedosa, – se terem encontrado nos tops portugueses e mundiais com obras dos inevitáveis Nicholas Sparks, Stephenie Meyer, Isabel Allende, Dan Brown e J.K. Rowling, entre muitos outros.

   E quem nos poderá garantir quais os romances, filmes, discos ou quadros que farão parte do imaginário popular das gerações vindouras e do tesouro cultural da humanidade, os ícones que sobreviverão a um hollywoodesco fim do mundo tal como o conhecemos, um cenário saído do filme “Planeta dos Macacos”?

   Eu certamente não me abalizarei a fazer tal previsão à “Zandinga”, lembrando-me do ódio figadal que tinha – juntamente com muitos amigos da mesma geração –, por dois prodígios de vendas de anos idos, Gabriel García Márquez (ainda que nobelizado, na altura por muitos considerado um fenómeno de “massas” perecível) e Patrick Suskind, dois romancistas admiráveis e fundamentais, que demorei a conhecer e que agora são imprescindíveis nas minhas releituras anuais, desde “O Perfume” e a “Crónica de uma Morte Anunciada” até ao “Amor em Tempos de Cólera” e “A Pomba”, ódio ridículo esse que começou porque no Verão de 1993 eram incontáveis os passageiros no comboio para Coimbra a “devorarem” os seus livros e eu futilmente prometi a mim mesmo que nem sequer as primeiras páginas iria espreitar…

 

in Revista “Pormenores”


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