Alice Rahon
Um dos fenómenos
mais interessantes das últimas décadas no mundo da Literatura tem sido,
inegavelmente, o dos “best-sellers”, verdadeiros “mastodontes”, quer seja no
tamanho de cada exemplar, nos inúmeros volumes que se seguem ao sucesso
inicial, nas promoções feitas em todos os meios de comunicação, nas inevitáveis
- e geralmente deturpadas - adaptações para cinema, ou no número “obsceno” de
vendas, que até em Portugal causam sensação; enfim, a denominação de fenómeno
que se usa porque sugere “histeria de massas”, algo que terá a ver com a camada
inculta da população, que prefere a cultura descartável, na moda e pouco
difícil de apreender.
A distinção entre
“Alta Cultura” e “Baixa Cultura”, geralmente feita pelos entendidos como sendo
o entretenimento de elites e o entretenimento de massas, nada tem de
científico, mas poderá começar a perceber-se através das categorias em que –
subjectivamente – são alinhadas.
À Pintura Clássica
ou dos Mestres, à Música Clássica, à Ópera e ao Cânone Literário estudado nas
universidades, sem esquecermos o cinema de autor e os apelidados de “Filmes de
Qualidade”, contrapõe-se na Baixa Cultura o comercial, o vendável, o instantâneo,
as super-produções de Hollywood e os tão mal afamados “best-sellers”, a música
pop e a Geração MTV, as séries de T.V. e a banda desenhada para “fanáticos”, a
ideia de que se está a vender algo, que além de ser de pouca qualidade fará
inevitavelmente no futuro com que o Coeficiente de Inteligência dos seres
humanos baixe para níveis assustadoramente “americanizados”.
O interessante, a
meu ver, nesta discussão útil, é que indiscutivelmente o Tempo é o grande
nivelador, o grande árbitro em matérias de gosto e a não ser que a extrapolação
futurista dos críticos na moda e das “eminências pardas” da cultura
anglo-saxónica seja dum nível Nostradamiano, as suas “sentenças” serão apenas
conjecturas baseadas no seu gosto pessoal, nos géneros artísticos em voga e nos
seus desejos pessoais de influenciar a “grande corrente” cultural do mundo
ocidental.
E se mais provas
forem necessárias em relação à importância do passar dos anos e das modas na
asserção da qualidade cultural, basta lembrarmo-nos da forma como a “Opera
Buffa”, as obras-primas de Shakespeare e o cinema dos “nickelodeons” eram
vistos no início destas manifestações culturais: como um gosto abjecto, das
classes populares mais baixas e pouco instruídas, os primeiros locais a fechar
quando ocorriam epidemias e geralmente proibidas de tempos a tempos pelo seu
carácter popular, revolucionário e contra as elites instituídas.
E voltando ao
início desta crónica e aos “livros de hipermercado”: se o facto do meu gosto
pessoal se inclinar mais para os geniais romances que li ultimamente, adquiridos
por acaso em heróicas livrarias que teimam em remar contra a maré, como por
exemplo “Kafka à Beira-Mar”, de Haruki Murakami, “
E quem nos poderá
garantir quais os romances, filmes, discos ou quadros que farão parte do
imaginário popular das gerações vindouras e do tesouro cultural da humanidade,
os ícones que sobreviverão a um hollywoodesco fim do mundo tal como o
conhecemos, um cenário saído do filme “Planeta dos Macacos”?
Eu certamente não
me abalizarei a fazer tal previsão à “Zandinga”, lembrando-me do ódio figadal
que tinha – juntamente com muitos amigos da mesma geração –, por dois prodígios
de vendas de anos idos, Gabriel García Márquez (ainda que nobelizado, na altura
por muitos considerado um fenómeno de “massas” perecível) e Patrick Suskind,
dois romancistas admiráveis e fundamentais, que demorei a conhecer e que agora
são imprescindíveis nas minhas releituras anuais, desde “O Perfume” e a
“Crónica de uma Morte Anunciada” até ao “Amor em Tempos de Cólera” e “A Pomba”,
ódio ridículo esse que começou porque no Verão de 1993 eram incontáveis os
passageiros no comboio para Coimbra a “devorarem” os seus livros e eu
futilmente prometi a mim mesmo que nem sequer as primeiras páginas iria
espreitar…
in Revista “Pormenores”
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