quinta-feira, 22 de julho de 2021

Um poema de Vicente Aleixandre

 




VIVER PARA TI

 

                            É tocar o céu, pôr o dedo

                            sobre um corpo humano.

                                                                 (Novalis)

                                                                       

Quando contemplo o teu corpo estendido

como um rio que não acaba nunca de passar,

como um claro espelho onde cantam as aves,

onde é uma alegria sentir como o dia amanhece.

 

Quando eu olho os teus olhos, morte profunda ou vida

que me chama,

música de fundo que eu apenas suspeito;

quando vejo as tuas formas, a tua testa serena,

pedra luzente na qual brilham os meus beijos,

como aquelas rochas que refletem um sol que jamais se põe.

 

Quando acerco os meus lábios àquela música incerta,

a esse murmúrio sempre jovem

do ardor da terra que entre o verde canta,

húmido corpo sempre resvalando

como um amor feliz que foge e volta ...

 

Eu sinto o mundo rolar sob os meus pés

rolar com ligeireza com a eterna capacidade de estrela,

com essa alegre generosidade de luzeiro

que nem sequer precisa de um mar para curvar-se.

 

Tudo é surpresa. O mundo tremeluzindo

sente que o mar de súbito está desnudo, trémulo,

que é esse peito arrebatado e ávido

que apenas quer o brilho da luz do desejo.

 

A criação cintila. A serena ventura

passa como um prazer que nunca chega ao fim

como essa rápida ascensão do amor

onde o vento se aferra a frontes as mais cegas.

 

Olhar para o teu corpo sem mais luz do que a tua,

essa música próxima que os pássaros congrega,

as águas, a floresta, esse palpitar ligado

deste mundo absoluto que sinto agora nos lábios.

 

(Sevilha26 de abril de 1898 - Madrid13 de dezembro de 1984)

Prémio Nobel 1977


(Tradução de nicolau saião)


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