segunda-feira, 26 de julho de 2021

Dois poemas de José do Carmo Francisco

 


Eileen Agar



Via verde na estrada de Benfica

 

Quem sai do hospital só pensa na morte

E depois da filha em férias, nas viagens

As dores abdominais o rosto da má sorte

De não poder sorrir com ela nas portagens.

 

A produção de saquetas foi descontinuada

O medicamento era assim como a Cecrisina

Este é hoje como um copo de água salgada

De doze em doze horas o tempo da rotina.

 

Quem sai do hospital só pensa na morte

Não lhe convinha morrer se fosse agora

Hoje a filha em férias segue para o Norte

Com a via verde não vai parar a toda a hora.

 

Vejo uma carroça num pátio de moradia

Parece ficou esquecida pela marcha popular

Há setenta anos os burros desta freguesia

Levavam na marcha gente a sorrir e a cantar

 


As mãos de meu avô José Almeida

 

Caiu o telhado. Não sei se imaginas

Como tudo agora é sombrio e triste

A casa onde vivemos está em ruínas

O quarto onde se nascia já não existe

 

As pedras e os barrotes são só entulho

Ficou tudo acumulado no rés-do-chão

Há um silêncio onde antes era barulho

Que era um sinal de vida em profusão

 

Fosse na casa, no quintal, no palheiro

Onde também se fazia o nosso lagar

As tuas mãos à luz do velho candeeiro

Trabalhavam na noite fora sem parar

 

E aos domingos a trompete tão diferente

Faiscava entre a luz do sol na procissão

As tuas mãos, o chumbo e a água quente

Faziam na trompete um som de perfeição

 

in “Poemas Periféricos”


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