quinta-feira, 1 de julho de 2021

Dois poemas de José Carlos Costa Marques

 

 João Cabral de Melo Neto

(prefácio autocrítico)

  

Com tua faca sem cabo,

deceparias meus versos,

rotundos,

exclamativos.

 

No calo com que não calo

os versos tersos

facundos,

reiterativos,

 

a tua fome não está.

Mas está essa outra fome,

também tua,

de poesia,

 

aquela fome de lá

no trânsito onde se some

o flamenco na lua,

e nasce o dia.

 

Do cirurgião desconheço

o ofício de cortar,

derramado,

inundação.

 

Porém também eu obedeço

à tua lâmina de amar,

e fico desse teu lado

enxuto do coração.

 


O jugo do trabalho

 

“Work all day, drink at night to forget it.”

                                               Philip Larkin

 

Trabalhar como os mergulhadores o dia todo,

beber à noite para esquecer o dia.

Assim o bibliotecário no fim dizia

que vivia. Surpresa aos amigos esse engodo!

 

Mas não são só mergulhadores a soldo

ou livreiros, aliás o poeta Larkin. Nem só a poesia

se dessedenta do dia ou do mergulho o lodo

vence, no tempo que dá a paga luzidia.

Aparte alguns eleitos, a cujo rogo o mundo gira

e podem julgar-se a salvo, quem se livra do cabresto,

escravo no desatar do tributo inescapável?

 

Nem poetas, nem fazedores lerdos do irreparável.

Beber findando o dia, do primeiro ao sexto.

Mas sóbrios é que veremos lá onde além da lira.


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