João
Cabral de Melo Neto
(prefácio autocrítico)
Com
tua faca sem cabo,
deceparias
meus versos,
rotundos,
exclamativos.
No
calo com que não calo
os
versos tersos
facundos,
reiterativos,
a
tua fome não está.
Mas
está essa outra fome,
também
tua,
de
poesia,
aquela
fome de lá
no
trânsito onde se some
o
flamenco na lua,
e
nasce o dia.
Do
cirurgião desconheço
o
ofício de cortar,
derramado,
inundação.
Porém
também eu obedeço
à
tua lâmina de amar,
e
fico desse teu lado
enxuto do coração.
O jugo do trabalho
“Work all day, drink at night to forget it.”
Philip Larkin
Trabalhar
como os mergulhadores o dia todo,
beber
à noite para esquecer o dia.
Assim
o bibliotecário no fim dizia
que
vivia. Surpresa aos amigos esse engodo!
Mas
não são só mergulhadores a soldo
ou
livreiros, aliás o poeta Larkin. Nem só a poesia
se
dessedenta do dia ou do mergulho o lodo
vence,
no tempo que dá a paga luzidia.
Aparte
alguns eleitos, a cujo rogo o mundo gira
e
podem julgar-se a salvo, quem se livra do cabresto,
escravo
no desatar do tributo inescapável?
Nem
poetas, nem fazedores lerdos do irreparável.
Beber
findando o dia, do primeiro ao sexto.
Mas
sóbrios é que veremos lá onde além da lira.
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