quinta-feira, 24 de junho de 2021

Um poema de Wislawa Szymborska

 



A CASA DE UM GRANDE HOMEM

 

Foi escrito no mármore em letras douradas:

aqui um grande homem viveu, trabalhou e morreu.

Ele colocou pessoalmente o cascalho para esses caminhos.

Este banco - não lhe toquem – esculpiu-o ele sozinho

e de pedra o fez.

E - cuidado, três etapas - vamos entrar.

Na hora certa chegou ele ao mundo.

Tudo o que tinha que passar, passou nesta casa.

Não num prédio alto,

não em metros quadrados, mobilado, mas vazio,

entre vizinhos desconhecidos,

nalgum décimo quinto andar,

onde é difícil arrastar excursões escolares.

Nesta sala ponderou,

Neste quarto dormia,

e aqui recebia convidados.

Retratos, uma poltrona, uma escrivaninha, um cachimbo, um globo, uma flauta,

um tapete surrado, um solário.

A partir daqui, trocou acenos com o seu alfaiate

e o seu sapateiro

que para ele trabalharam sob medida.

Isso não é o mesmo que fotografias em caixas,

canetas secas num copo de plástico

um guarda-roupa e um armário comprados numa loja,

uma janela, de onde se podem ver melhor as nuvens

do que as pessoas.

Feliz? Infeliz?

Isso aqui não é relevante.

Ele confiava ainda nas suas cartas,

sem pensar que seriam abertas nos seus

trajectos.

Ele mantinha ainda um diário detalhado e honesto,

sem receio de o perder durante uma

busca.

A passagem de um cometa preocupava-o mais.

A destruição do mundo estava apenas nas mãos

de Deus.

Ele conseguiu ainda não morrer no hospital,

atrás de uma tela branca, sabe-se lá qual.

Ainda havia alguém com ele que se lembrava

das suas palavras murmuradas.

Ele participou da vida

como se fosse reutilizável:

enviou os seus livros para que fossem encadernados;

pois não iria riscar os sobrenomes dos mortos

do seu livro de endereços.

E as árvores que plantou no jardim por detrás

da casa

cresceram para ele como a Juglans Regia

e a Quercus Rubra e a Ulmus e a Larix

e a Fraxinus Excelsior.


(Tradução de nicolau saião)


Wislawa Szymborska (Kórnik, 1923 - Cracóvia, 2012) - Escritora polaca galardoada com o Prémio Nobel em 1996. Poetisa, crítica literária e tradutora, viveu em Cracóvia, onde se formou em Filologia Polaca e Sociologia pela Universidade Jaguellonica.


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