Fernando Aguiar
Folclore
e outros Patrimónios
Por contingências da vida, só agora tive
conhecimento de que o Governo anda a planificar um projecto de apoio ao
“Património Cultural Imaterial”, tendo em conta, entre outras razões, que o
mesmo “representa a identidade e diversidade de todo o território nacional”. Ora, não
é verdade que o PCI - Convenção de 2003 da UNESCO, seja IDENTITÁRIO. E esta
confusão que continua a verificar-se, não tem qualquer razão de ser, sendo-me
penoso a afirmação da senhora Secretária de Estado da Cultura. Que não
compreendo. É de facto tradição, mas não é tradicional.
Aliás, é a Dr.ª Clara Bertrand Cabral responsável
pela cultura na Comissão Nacional da UNESCO, que num artigo esclarecedor, nos
diz que o PCI não assenta no autêntico, no tradicional e no identitário, mas
sim no constantemente transformado e no criativo. E é a mesma senhora que mais
recentemente me esclareceu, que para a UNESCO, enquanto o folclore é “tradição
do passado,” o PCI é a “tradição do contemporâneo”.
Quanto à estratégia em curso, não posso
estar contra tudo o que seja destinado a garantir tradições, mesmo que não
tradicionais, muito embora e segundo Paulo Lima, autor da candidatura do Cante,
estas
candidaturas servem acima de tudo para a criação de um destino turístico, ou
para aumentar as vendas: como se vai ganhar dinheiro, associar produtos, etc., havendo
sempre um intuito comercial ou capitalista, se quisermos.
É de ter em atenção!
Projecto diferente, mas que me parece de
grande envergadura,
está a nascer no Baixo Alentejo e ao que nos dizem visa a revitalização do
Cante. Não tenho infelizmente mais informações sobre o projecto.
Agora, o meu desencanto, situa-se em dois pontos. Ainda hoje não se
compreender, mesmo a nível superior, o que é identitário, e ter sido ignorado o
que para mim era prioritário, isto é, o estudo correcto e respectiva
sustentabilidade do nosso folclore, da nossa cultura tradicional, garantindo o
seu futuro com a inclusão na Escola (formando públicos e sensibilizando
crianças) a preparação de formadores, e o apoio a espaços, abertos ao futuro do
passado.
Ainda
quanto ao “não ser identitário” basta resultar de uma convenção - neste caso a
de 2003 da própria UNESCO - ser convencionada, combinada.
O “identitário” não nasce de decretos ou do
parlamento, é o resultado de uma leitura correcta dos caminhos da cultura, até
ao momento em que as vivências das gentes de antigamente sofram influência
estranhas à sua maneira de ser e de estar.
Cada dia que passa sem um aprofundamento dos
saberes tradicionais locais, é um passo que se recua na manutenção da nossa
identidade.
E quem tem interesse que isso aconteça?
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