A VIAGEM
Acabo de chegar,
Irmão,
E vim de longe.
Vi rostos
Inclinados sobre a terra
E o torpor do mundo
Num olhar.
Vi as pedras
Da estrada
Ensanguentadas
E o sol
Feito poeira
Sobre as pedras.
Vi a sombra
Da noite
A diluir-se
No frio da madrugada.
Agora
A Morte caminha atrás de mim,
Irmão,
E acabo de chegar.
FLUXO
O recolhimento, o
silêncio,
O relógio suspenso,
A desintegração do tumulto,
O clamor, a tortura,
O vento salgado,
As liláceas pisadas,
Onde e quando?
Na sala envidraçada,
Que a última luz roxa incendiava?
Ou nas ruas,
Perscrutando os olhos próximos,
Perdidos na sombra, hierática e surda,
Impondo a iniciação inevitável?
Iluminemos a noite,
O rumor imperceptível do tempo,
Criemos um desconhecido brilho
Para os gestos que um irmão
Executa por nós no vasto palco.
Inventemos, silenciosamente, a prece,
A grande prece, a prece ininterrupta
Ao Deus desaparecido
PRELÚDIO
A cidade acorda, atolada
de valas.
Penso num sinal, na manhã do mar,
Num gesto remoto,
E sobe da terra um clamor de limites:
Represas, sebes saqueadas,
Um pessegueiro morto,
E todas as nuvens caídas num charco.
Quem atravessou o gelo
E os mares
E o solo fendido
E escutou a gaivota
E andou sempre só,
Queimando o olhar, as veias cansadas,
Esteve serenamente sentado a um lado,
Mas não aprendi.
O sol violeta, a teia de
prata,
Luzes e vento abraçando a cidade,
O cais interminável, fronteira adiada,
O vento de novo, águas enlodadas,
Presságio da noite, o preço tão alto,
A pétala, o viço e depois a vala.
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