quinta-feira, 13 de maio de 2021

Três poemas de José Carlos Costa Marques

 



Hélio Rola


[25]

 

O que falta. A ausência. O que tens.

Presença do ausente. O que sentes. O frio

nas ruelas da cidade estranha.

 

É bela a cidade estranha. Ausente.

a beleza dela traz-te o rosto ausente.

Porquê? Porque te falta?

 

Falta-te porque o não tens. Porque o tiveste.

E nas ruelas belas, frias, a presença que te falta

de tão ausente, invade-te. E na voz suave

 

que um rádio perdido canta, na voz dissonante

que te serve uma outra voz, tu fazes presente a ausência,

beijas a ausência, fazes da presença ausente

 

– um talismã.

 

Esconderijos

 

Pequenos tesouros escondidos

– no bolso de um casaco,

num escaninho.

 

Pequenos tesouros revelados

– uma foto tipo passe, um cartão

numa gaveta.

 

Um rosto, uma espera, malas em volta

– numa sala inóspita,

candor do olhar que aguarda.

 

E depois a mão, a mão minuciosa,

a boca com seus dentes, seu céu.

e depois – a entrega, o tempo.

 

Lusco-fusco

 

O tempo que perdeste algures

A cidade estranha, familiar

A noite clara que extravasa o dia

O não saberes onde o perdeste

 

Contemporâneos, a outro tempo pertencem

Falantes da tua língua que não entendes

A cidade familiar mas que é outra

E a outra outrora não existe já

 

O que vislumbraste no futuro é hoje agora

Tudo é o mesmo e nada reconheces

Os laços foram-se quebrando, e rasgados

Os fios jazem sem costura – sem nó

 

Partiram já alguns sem dizer adeus

Partirás tu também sem saber aonde

O laço que te prende aqui segura-te ao além

Para ele te irá conduzir por entre a bruma

 

Mas agora a noite no início é clara

E transporta ainda a mais bela luz diurna

É meio-dia na noite e na memória fulge

O fulgor que esqueceste e estás certo que existe

 

Aguardas e enquanto aguardas o fio te enlaça

A um presente que aguarda o teu presente

E pela noite adiante o cristal refracta

E transmuta o estranho em presença nova

 

Vais pelo mundo fora e há a mão que tocas

O rosto que se abre  A voz vibrante que te recria

Nela depositas o crédito, o laço e a aposta

Nela deixas de ser tu e te confundes

 

– nítido.

 

Sem comentários:

Enviar um comentário

Aos confrades, amigos, adeptos e simpatizantes

     Devido a um problema informático de última hora, não nos será possível fazer a postagem desta semana.    Esperando resolvê-lo em breve,...