ns, A escrita
A POESIA
1.
O que define a maior ou menor
qualidade de um texto literário?
A mensagem? A riqueza(?)linguística? A maior ou menor dificuldade da sua
compreensão?
Resposta de NS
Eu diria que
é um conjunto de condições da qual
afasto no entanto, à partida, a dificuldade maior ou menor da sua compreensão,
que colocarei sob outro enfoque. E isto porque a dificuldade de entendimento de
um texto literário pode até partir da maior ou menor inteligência ou preparação
do leitor…
Dizia Lichtenberg “Se
um macaco se mirar num espelho, nunca verá um apóstolo”
e a frase creio que tem todo o cabimento, como se entende.
Indo
agora ao cerne da questão, a chamada “mensagem” parte da riqueza linguística (melhor dizendo, da boa articulação da escrita – e é isso que configura a riqueza do
que se diz e não um eventual estilo rebuscado ou grandiloquente, digamos assim),
sendo o inverso também verdadeiro. Um texto de qualidade pode ser original ou
mesmo inusitado, mas não é nunca descabelado
ou pedante. Mais: o autor de
qualidade nunca busca ser original –
a originalidade é uma constituinte da sua escrita, simplesmente, parte dos olhares novos que ele soube abrir ou
suscitar. A qualidade é sempre uma resultante:
da forma e do conteúdo expressos, que fazem sentido e têm poder criativo e
criador.
2.
Duas situações:
Quem não entende António Aleixo?
Quem entende Camões?(LUSIADAS)
É claro que não vamos fazer comparações. Mas gostava que nos situasse no seu espaço
cada um destes exemplos.
NS - Só gente muito
primária poderá não entender António
Aleixo. Dito isto, há que referir que entender
tem dois níveis (pelo menos) de estruturação: o sentido imediato e o sentido profundo.
No primeiro parte-se da leitura corrida,
digamos desta maneira. O segundo já requisita percebermos o que o autor dizia,
queria de facto dizer, recorrendo a um simbolismo, a uma sugestão ou inflexão
apontando mesmo para o que nem necessita de ser expresso claramente. No
que se refere a Camôes, há o discurso global (celebração dos “heróis” portugueses),
na linha de outras celebrações mais antigas (gregas e romanas). A forma em que
está vasado, própria daquele tempo e
daquele espaço poético é que não será de fácil apreensão, dependendo mesmo da
preparação de cada um. Mais consensual, mais fácil de entender como usa
dizer-se, será a sua obra lírica, não epopaica, que a meu ver é inclusivamente a
sua mais alta realização. Independentemente da sua força discursiva,
principalmente em dados trechos, a olhares modernos Os Lusiadas já começa a aparecer-nos como um “tour de force” que perde claramente no cotejo com A Odisseia (para não falarmos noutros…),
dado o seu estrénuo esforço em pintar de epopeia uma incursão claramente histórica pouco entusiasmante dado o seu
cariz quotidiano-comercial…por muita retórica patrioteira que se lhe faça em
redor.
3.
O rimar deixou de
ser necessário para haver poesia
Como sabemos então que se trata de um poema?
NS - O rimar nunca foi
indispensável na poesia (como o não é o não rimar ou verso branco), correspondeu apenas a um estágio temporal bem
determinado. Saliente-se que em certas épocas chegou a assumir, até, foros de
obrigatoriedade por parte de alguns sectores “donos da cultura”. O que mostrava
não só o seu autoritarismo como a sua
própria falta de cultura. Dizendo de
modo explícito: faziam passar por poesia algo que não era mais que rimação (perdoe-se-me o eventual neologismo)
sem fulgor e sem valor, repisar monocórdico de conceitos ou de pseudo-moralismos
de baixa estirpe.
Dito isto,
realce-se que há por vezes poemas que, partindo da qualidade de escrita do
autor, que sabe manejar a rima de forma a ter sentidos de drama, de ironia ou
de graça simplesmente, têm nessa certa rima uma expressão adequadíssima – pois
está ali a sublinhar uma intenção, uma qualificação, uma sibilina inflexão que posta doutra forma não resultaria na atingida beleza do poema.
Um poema – e
um poema pode ser em prosa, como se
usa dizer – reconhece-se por ter nele uma imanência que atinge os mais
secretos, mais profundos e mais desconhecidos, por vezes, sentidos do ser. A
poesia é uma construção que toca as fontes da Humanidade e da existência comum e
do ser vivente, há algo na frase que ultrapassa a simples verdade da sua
estrutura para se projectar na realidade
interior das coisas.
Refira-se que
uma novela, um romance, um ensaio – que são obras em prosa – podem ter na sua
concretização uma imensa poesia e não
precisam de sair da sua estrutura (que é específica). Mais: se, neles, o autor
quisesse fazer poesia, ferindo a sua
especificidade, provavelmente faria era uma obra falhada e pretensiosa. (Há
exemplos de romancistas, novelistas, etc. que quiseram fazer romance/novela poéticos e só fizeram, afinal,
emolientes pessegadas…).
A poesia parte
da estrutura intrínseca que lhe
configura a permanência no tempo e no
espaço. Ser com ou sem rima já é uma sequência (ou uma consequência, se
quiserem…).
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