A don Juan Valderrama
A don Josep
Andreu i Laserre (Charlie Rivel)
in
memoriam
1.
Por su gracia
Juanito Valderrama ergue a voz e solta o seu
cante grande. E abrem-se os céus. Os
céus de Sevilha, entre renques de laranjeiras, entre os odores de Sevilha, ao
pé da sombra da Giralda, ao pé da Catedral a propósito da qual o cardeal
Pedralva disse “Faremos uma igreja tão
imponente que os vindouros dirão que estávamos todos loucos!”.
Canta Juanito em criança e canta depois de
velho. Andaluz dos pés à cabeça, voz de plata
policromada, canta “Las carretas del rocio”, “La rosa cautiva”, “La hija de
Juan Simón”…Canta e no seu canto vibra o amor e a morte, o desespero e a mais
funda alegria, o vigor e a altivez e a simplicidade varonil de um povo de
pessoas e não de números. E com ele cantam, sem cantarem com ele, Pedro Martin,
o “Chato de las vendas” que morreu de desgosto duas horas depois de
saber, durante a guerra civil, que o iam fuzilar. E Jimenez Rejano com a sua
voz de vendaval, e Caracol, e os irmãos Montoya, e Camarón, e Paco de Lucia com
a sua guitarra trágica e poética. E a Niña de la Puebla, que canta aquela que é
provavelmente a mais bela canção de amor já feita pela tradição popular e pelo
génio desse povo: a comovente, exaltante, lírica e desgarradora “Campanilleros
en los pueblos de mi Andalucia”.
Mas canta também o maestro Pepe Marchena, de grave e doce voz de hombre y caballero. E o Niño de Penarrubia, essa fonte de pura água
andaluza. E os anónimos dos tascos, do “venga vino”, os azeitoneiros de Jaén, os “niños del mar” de Almeria, os minericos
de Linares e Cartagena. E cantam o quê?
Os fandanguillos,
as alegrias, as seguidillas e as campanilleras
do flamenco – que é a meu ver a maior invenção musical e cantaora já feita pelo povo. E onde ressoa a dignidade, a
paciência, os momentos de fruição dessas gentes anónimas e pobres – mas tão
ricas! – esses “gitanos de aristocrácia/
cantaores de cante grande/ flamenco en sus quatro ramas” que souberam
erguer a figura entre os solavancos do tempo e os volteios das cordas das
guitarras.
Juanito
Valderrama… Hombre! Toma mi pañuelo
blanco para limpiarte la cara!
2.
Em Louvor dos Palhaços
Não por simbolismo mais ou menos evidente,
não por se estar em tempo de clowns,
de malabaristas, de hipnotizadores e de ilusionistas – mas sim por no fim do
inverno a memória parecer mais nostálgica, intercedendo pelos tempos de grandes
alegrias, de viagens interiores, de meandros que se acariciam com a palavra,
com a recordação. Um mundo juvenil de circo, fremente e encantado.
Charlie Rivel, que vi ao vivo em Madrid numa
tarde de surpresas, no decorrer duma matinée
inesquecível, com o seu lentíssimo andar, com as suas pequenas frases
entrecortadas, com o seu huuuuuu! de
rosto rodando para o céu, esse som surpreendente pontuando as estorinhas
comoventes, terríveis e poéticas daquele que foi considerado o melhor palhaço
do mundo.
E os Irmãos Campos, portugueses retintos num
elenco circense todo composto por húngaros de Linda-a-Pastora, por franceses do
Cadaval, por italianos da Madragoa? E Oscarito, o palhaço bailarino com as
pernas de arame que todo se desconjuntava quando Simeão, o palhaço-rico, o
submetia a rudes diálogos de que aliás saía mal-ferido? E que com o seu
serrote-violino, com a sua trompete destravada, com o seu saxofone bicéfalo nos
levava por todos os lugares onde o sonho podia acontecer?
E – posto que agora por fora – as distintas partenaires que eram jovens em início de
carreira ou madames a finalizá-la,
mas inteiramente frequentáveis para olhos adolescentes (um toquezinho de
inusitado que ainda lhes conferia mais sedução…)?
Deixem que me lembre desses anos de vinho e
rosas… Em Portalegre por todo o Rossio, em frente do antigo campo da bola, por
detrás da belíssima cascata do jardim barroco infelizmente passado à estória da
História, quando ainda lá havia uma esplanada de Café sob um cedro do Líbano,
onde pelas tardes a rapaziada hoje madura ia deslumbrar-se nos serões de
província…
Deixem que me recorde - como se, com vossa
licença, tasquinhasse expeditamente um pacote de amendoins, antes de entrarem
os trapezistas, os domadores, os hipnotizadores e outros acrobatas.
Nota: Aos
interessados, sugerimos as biografias:
António
Burgos,“Mi España querida”, introdução de Juan Manuel Serrat, (“La esfera de
los libros”)
Sebastià
Gasch, “Charlie Rivel, pallasso català “, (Ed.Alcides, Barcelona)
ns
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