A PEDRA
Para quê perturbar
O sono da pedra
Esquecida no vale?
Deixemo-la
No seu torpor de séculos.
Que lá não chegue
O eco das dores
Que o sono não esmaga.
Que não paire sobre ela
O ávido abutre
Que geme e que espera.
E que não acorde
O minuto de vida
Que anuncia a morte.
AS TRINTA MOEDAS
Recebi todos os
mensageiros,
Experimentei todos os relógios,
Aprendi alguns dos exorcismos,
Que não chegaram, porém,
A esvaziar
A minha gaveta de
incertezas.
Recolhi-me quotidianamente,
Na hora do grande medo,
Escutei, ao largo, o ruído dos remos
Mas o barco não tocou na minha margem.
Vi o sol brilhar esplendorosamente
Sobre a lama e sobre as minhas lágrimas,
Presenciei a servidão
E o poente ameaçado pelas vagas.
E numa noite,
Em que a Morte veio fazer-me companhia,
Vi espalhadas na terra as trinta moedas.
O ROSTO
O caminho tem sido
verdadeiramente longo
E o tempo tem chegado para muito:
Olhos perdidos nas cidades,
Passos hesitantes,
Mãos segurando as mãos da Morte,
E o sol, em Setembro, nos salgueiros.
Um dia,
Neste velho espelho que trago comigo,
Debruçou-se uma aldeia coberta de rosas
E um rosto adormecido como mármore,
Enquanto o oceano amava a terra, silenciosamente.
Este velho espelho quebrado
Conserva ainda do rosto adormecido as linhas firmes,
A proximidade, a quietude e a distância,
Mesmo quando o Quinto Anjo esvoaça sobre a terra
E a Grande Sombra tinge de noite a Vida.
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