segunda-feira, 15 de março de 2021

Três poemas de Maria Amélia Neto

 




 A PEDRA


Para quê perturbar
O sono da pedra
Esquecida no vale?

Deixemo-la
No seu torpor de séculos.
Que lá não chegue
O eco das dores
Que o sono não esmaga.
Que não paire sobre ela
O ávido abutre
Que geme e que espera.
E que não acorde
O minuto de vida
Que anuncia a morte.

 


 AS TRINTA MOEDAS


Recebi todos os mensageiros,
Experimentei todos os relógios,
Aprendi alguns dos exorcismos,
Que não chegaram, porém,
A esvaziar

A minha gaveta de incertezas.
Recolhi-me quotidianamente,
Na hora do grande medo,
Escutei, ao largo, o ruído dos remos
Mas o barco não tocou na minha margem.
Vi o sol brilhar esplendorosamente
Sobre a lama e sobre as minhas lágrimas,
Presenciei a servidão
E o poente ameaçado pelas vagas.
E numa noite,
Em que a Morte veio fazer-me companhia,
Vi espalhadas na terra as trinta moedas.

 


O ROSTO


O caminho tem sido verdadeiramente longo
E o tempo tem chegado para muito:
Olhos perdidos nas cidades,
Passos hesitantes,
Mãos segurando as mãos da Morte,
E o sol, em Setembro, nos salgueiros.

Um dia,
Neste velho espelho que trago comigo,
Debruçou-se uma aldeia coberta de rosas
E um rosto adormecido como mármore,
Enquanto o oceano amava a terra, silenciosamente.
Este velho espelho quebrado
Conserva ainda do rosto adormecido as linhas firmes,
A proximidade, a quietude e a distância,
Mesmo quando o Quinto Anjo esvoaça sobre a terra
E a Grande Sombra tinge de noite a Vida.


Sem comentários:

Enviar um comentário

Aos confrades, amigos, adeptos e simpatizantes

     Devido a um problema informático de última hora, não nos será possível fazer a postagem desta semana.    Esperando resolvê-lo em breve,...