Figurinhas da Sé de Lamego
Uma passadeira vermelha merecia
A tão solene e séria Sé de Lamego
Mas meus paleo-avós eram peões
decerto
E lavradores os antepassados mais
recentes.
Mais nos excitamos com o porco a
chiar na panela
Do que com as flamas do divino
elevando-se da pedra.
À porta da Matriz, vagina aberta de
fome,
Em arcos esculpidos pelos pedreiros
livres
Restos de figurinhas
desinquietam-nos
Em diversas transgressões sexuais.
Muitas os padres, Judas da moral
que pregam,
As mandaram partir, por imorais.
Porém uma sobra, plena de
encantamento:
Delicada cena de fellatio
A garantir a cópula entre o céu e a
terra.
E isso, a nós, peões e camponeses,
mas herdeiros
De Gil Vicente e até de Rabelais,
Isso excita-nos porque liga o
espiritual ao indecente,
Anuncia missas do burro,
esfuziantes carnavais,
Reserva no adro a vida, já que no
altar-mor definha a fé.
In «Risco da Terra», Apenas Livros, 2011
O Túnel de luz branca
Ao José Augusto Mourão
Oiço-o, amigo,
Tão desolado a dizer
Dessa terra além-terra
Onde se entra por um túnel de luz
branca
Avassaladoramente cintilante
«Já lá estive e não vi nada…»
Nesse túnel já muitos entrámos
Mas só quem sai pode dizer que ao
fundo dele
Não há nada.
Em todo o caso, amigo, neste dia
De quase coma em que dormita
E espero só exista no seu
pensamento
O rasto dulcificante das papoilas
Recordo o que me disse e é mais
pungente
Que a passagem na fronteira da
morte
Na sua viagem sem regresso.
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