quinta-feira, 18 de março de 2021

Dois poemas de Maria Estela Guedes

 





Figurinhas da Sé de Lamego

 

Uma passadeira vermelha merecia

A tão solene e séria Sé de Lamego

Mas meus paleo-avós eram peões decerto

E lavradores os antepassados mais recentes.

Mais nos excitamos com o porco a chiar na panela

Do que com as flamas do divino elevando-se da pedra.

À porta da Matriz, vagina aberta de fome,

Em arcos esculpidos pelos pedreiros livres

Restos de figurinhas desinquietam-nos

Em diversas transgressões sexuais.

Muitas os padres, Judas da moral que pregam,

As mandaram partir, por imorais.

Porém uma sobra, plena de encantamento:

Delicada cena de fellatio

A garantir a cópula entre o céu e a terra.

E isso, a nós, peões e camponeses, mas herdeiros

De Gil Vicente e até de Rabelais,

Isso excita-nos porque liga o espiritual ao indecente,

Anuncia missas do burro, esfuziantes carnavais,

Reserva no adro a vida, já que no altar-mor definha a fé.

 

In «Risco da Terra», Apenas Livros, 2011

 

O Túnel de luz branca

 

                          Ao José Augusto Mourão

Oiço-o, amigo,

Tão desolado a dizer

Dessa terra além-terra

Onde se entra por um túnel de luz branca

Avassaladoramente cintilante

«Já lá estive e não vi nada…»

 

Nesse túnel já muitos entrámos

Mas só quem sai pode dizer que ao fundo dele

Não há nada.

Em todo o caso, amigo, neste dia

De quase coma em que dormita

E espero só exista no seu pensamento

O rasto dulcificante das papoilas

Recordo o que me disse e é mais pungente

Que a passagem na fronteira da morte

Na sua viagem sem regresso.


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