Fernando Aguiar
A água de 1956
Na
manhã de Abril
quando
não me disseram
(nem
poderiam ter dito)
«A
tua mãe morreu»
Porque (todos o sabemos)
as mães de facto não
morrem
apenas o seu corpo se
esconde
nos degraus da terra e do
silêncio.
Nessa
manhã de Abril
senti
que toda a terra secou
não
toda a terra mas apenas
a
que ficou entre os meus pés
e
a terra propriamente dita.
Lembrei-me então de como
essa secura só poderia
ser
de facto resolvida pela
água
uma certa água de 1956
trazida em cântaros
vermelhos
do Poço do Povo para os
louceiros
com dois intervalos para
o bojo.
Havia
um pano branco a tapar o sol
que
entrava por uma telha de vidro.
Havia
uns papéis com motivos berrantes
a
servirem de naperon nas prateleiras.
Havia
o ar, o peso do ar de 1956
e
só a memória desse ar me segurou.
Havia
uma rodilha feita de um lenço azul
comprado
na Feira Grande de Rio Maior.
Havia
(enfim) a água de 1956
aquela
que hoje me poderia matar a sede
ou
resolver de vez a secura da terra
debaixo
dos meus pés suspensos
como
naquela manhã de Abril.
Poema
sem direcção nem código postal
A
rua onde te encontrei de raspão
A
sair e a entrar de um autocarro
Foi
rio de lavadeiras de sabão e pedra
E
canções de galeras velozes na estrada.
Hoje estou arrependido de
ter dito adeus
Tão depressa entre as
duas portas de fole
Sem tempo para pedir a
tua direcção actual
E o código postal
respectivo e obrigatório.
A
vida é um mistério, nunca um negócio
Quarenta
e oito anos depois fiquei calado
Quando
deveria falar de moradas e de ruas
E
dar-te ao mesmo tempo o meu telemóvel.
A estrada onde foi
outrora uma ribeira limpa
Com lavadeiras a cantar
nas manhãs de sol
É o mesmo lugar cento e
quarenta anos depois
Quando o nome de Sete
Rios se justificava.
Perdi
teu nome todo na porta do autocarro
O
mesmo nome que como o meu num repique
Se
seguiu a um baptizado na mesma pia sagrada
Da
igreja paroquial da fotografia a preto e branco.
in “40
Poemas Periféricos”
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