segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Dois poemas de Floriano Martins

 


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O PRODÍGIO DAS TINTAS

 

Sopra-nos o vento a música de seu fulgor:

um elo de ecos, um verso de Gonzalo Rojas,

a espinha do universo no piano

de Thelonius Monk em Memories of you.

Lugar metafísico onde tudo combina

com seu diverso e outro latejo.

Em um desses momentos por onde cruzamos

as gélidas ruas de Kafka,

a alma esplende em metamorfoses.

Por ali nos indagamos do equívoco do enigma:

– por que tudo é sempre o mistério do vir a ser,

a almofada do maravilhoso, seu estalo de trevas.

Sons de palavras: letras que surgem

do obscuro ritmo entrelaçado de nossos nomes

– do entreato da sagrada miséria às minúcias de nossa queda,

a um só tempo dialética e mundana.

Livros de sons: a voz deixada no oco da tradição,

notas do prodígio que é seguir vivendo

lendo o misterioso nas páginas de Bataille Blake Benn.

Por ali nos indagamos e a tinta não cessa não cessa.

 

TRATADOS DA SOMBRA

 

1. O poeta é exigido por uma angústia vital:

aquela do desenlace em si de uma nova

transparência a partir de toda a opacidade

de sua vida. Tudo nele busca o desespero

iluminado das formas, sua convulsão

precipitada sobre a beleza das imagens

aterradoras. Refere-se o poeta sempre

ao outro que ainda não conseguiram tocar

suas débeis figuras. Indigente do instante

e do conhecimento do mistério, concebe

para si a tarefa de escrever um livro

impossível: o da personificação da morte.

Dissolve-se na matéria de suas metáforas,

misturado à visão do livro findo inacabado.


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