O
dia que se despede na linha do horizonte faz lembrar de imediato a memória de
um poema de Carlos de Oliveira: «A noite é a nossa dádiva de Sol aos que vivem
do outro lado da Terra». Podem chamar-lhe «crepúsculo» mas quem, como eu,
nasceu em Santa Catarina que fica a oito quilómetros do Oceano Atlântico, ouviu
as ondas em rebentação ao largo de São Martinho do Porto e, em certas tardes de
vento, o comboio ou a automotora da Linha do Oeste cujo apito anunciava quase
sempre chuva no outro dia, só pode chamar a esta como que oração sem palavras,
um «pôr do Sol». (Se levasse hífen era uma refeição mas isso é outra história)
Não
se vê mas está presente na foto um perfil de mulher como se fosse uma vírgula
feliz no discurso do Tempo, uma pausa na voz da Terra que canta o louvor da
abundância e da prosperidade onde antes havia apenas escassez e desolação. Na
alegria convocada pela mulher de perfil está uma abundante colheita de ternura
a distribuir por igual pelas crianças que ainda acreditam em unicórnios e
dinossauros. As crianças, essas crianças, sabem no seu tempo veloz de brincar
que tudo tem valor mas nada tem preço no seu mundo de todos os dias – nem os
beijos nem as lágrimas. Como se fosse no palco de um teatro, a cortina da noite
desce aos poucos por sobre a massa líquida da Lagoa em repouso. Lagoa ou Mar,
tanto faz para a organização do texto. O essencial é a sugestão da mulher cujo
nome tem o peso da Terra e o mistério da Harmonia. O seu rosto contém a mistura
feliz entre o ruído e o silêncio, a ruptura e a placidez, a luz e a sombra, a
força e a fragilidade do seu olhar e do meu discurso simples mas ambicioso à
procura de juntar de novo vários mundos separados pelo Tempo.
JCF
Sem comentários:
Enviar um comentário