Cesarianas e casuarinas
Passeios nas tardes de domingo
Pelo Jardim de Teixeira Pinto
Empurrando o carrinho com o bebé da
D. Otília
Nascido entre dores e cortes de
cesariana…
A estátua do militar no alto do
outeiro
A dominar toda a cidade de Bissau
Mira ao longe as evoluções
Dos milicianos e da Mocidade
Portuguesa
Diante do palácio do governador e
do obelisco
No centro da Praça do Império,
Coroado com a legenda “Ao esforço
da Raça”.
Hoje é o mesmo obelisco mas diversa
a legenda:
“Monumento aos Heróis da
Independência”.
Todas as raças se esforçaram,
Desde os muito brancos aos muito
pretos
Passando pelos muito e quase nada
mulatos
A que indistintamente se chamava
“cabo-verdianos”.
Para enorme estranheza, no Alto
Crim vivia um homem
Sem pêlos nem cabelos, mais
orelhudo
Que um morcego, muito branco,
Apesar de ser filho de negros.
Era o Albino Orelhas e trabalhava
na Granja
Para o Governo.
As casuarinas do Jardim de Teixeira
Pinto
- O Pacificador -
Abrigavam olhares apaixonados na
distância
Mais ou menos curta
O coração a pular no peito
Sempre o encontro anunciado
Pela melodia assobiada
Sempre com alguma diferença
Para não a confundires com a de
algum pássaro.
Ah, as casuarinas de domingo
Abrindo-se como cesarianas...
Nha cretcheu ta papiando
Naquele familiar assobio
O coração na boca e a cara
afogueada
Aquela inesquecível melodia
Sempre com alguma diferença
Para não o confundires com um
pássaro.
Pescando bagres
Um dia o pai levou-te ao forte da
Amura
Com os seus canhões de bronze
Depois desceste com ele até ao cais
Onde estava atracado um dos barcos
em que
Costumáveis viajar até à metrópole
Era o navio Ana Mafalda e pertencia
à CUF, como o Alfredo da Silva - nome do empresário dono da CUF. Creio que a
Quimigal, na outra banda, frente a Lisboa, descende desse antigo empório
industrial.
Ainda vos vejo sentados lado a lado
- Ao longe o ballet das canoas em
contraluz
E mais ainda o esboço a carvão do
misterioso
Ilhéu do Rei –
Puxaste a linha várias vezes e uma
ou outra
Trazia um peixote grosso de áspera
pele
Sem escamas
Pelo menos tens essa imagem na
memória
Instantes felizes em que a
lembrança
Traz aos olhos o rosto ainda novo e
bonito
Desse grande pescador de devaneios
Que lia à mesa, mas volta e meia
era teu pai.
in “Chão de Papel”
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