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Introdução
Dizia Claude Roy num dos seus ensaios, depois de ter excursionado pela
obra de Boileau e Jean Rostand, que “um
romance não é uma fatia de vida servida crua, mas sempre a arte que possui um
determinado homem de talhar a vida para a tornar mais viva e mais inteligível”.
Dizê-lo do romance,
obviamente, é o mesmo que dizê-lo do teatro ou de qualquer outra disciplina
artística. Toda a arte é uma indicação
cénica, humana ou desumana, que não imita a vida nem tampouco lhe é
paralela. Simbolicamente, poderia até falar-se numa inflexão à guisa do
princípio de incerteza de Heisenberg que consiste na possibilidade oficiante do
sujeito agir como catalizador e intercessor numa determinada experiência
científica. Ou seja: no plano das ciências, químicas ou físicas, o sujeito influencia sempre o objecto, passando a ser parte integrante
dum dado fenómeno. Na arte é precisamente a mesma coisa. Por isso é que as
teorias que abordavam, de forma imperativa e até intempestiva, a questão da
objectividade e da subjectividade colheram tão maus resultados. Era uma
abordagem inadequada – e o que é mais grave é que muitos dos seus próceres
sabiam que o era. Na verdade, eles faziam uma escrita orientada, praticavam raciocínios orientados, visando ajudar
os outros a chegarem a conclusões que interessavam a uma determinada filosofia
pré-ditada.
Por estranho que pareça, nos dias de hoje (em que já se descobriu a marosca toda) ainda há quem tenha por
vezes o descaramento de vir falar em arte
que todos percebam com um impudor que, no fundo, nos toma por mentecaptos
ou iletrados. Básicos, como se dizia
na tropa…
O que vou dizer creio que se sabe mas provavelmente fará sentido, ainda,
sublinhá-lo nestes tempos dramáticos: a criação artística, enquanto matéria em crescimento, convoca as
presenças totais não só do passado pessoal e do presente social do seu autor
como igualmente daqueles a quem ela é dirigida. E quem diz passado e presente
diz também futuro, uma vez que o específico de qualquer verdadeira obra de arte
é a sua permanência no Tempo. Assim, é fácil concluir que o artista se dirige
fundamentalmente aos seus próprios ritmos, o que não significa que eles não
tenham repercussão nos ritmos dos outros. Pensar-se que o artista escreve para o público (artistas, não sucedâneos mediáticos) é desconhecer os mecanismos da
criação, no caso limite buscar intrujar os outros. O que pode suceder é que ao
fazer uma determinada obra o artista acalente o sonho de que o que executa
tenha profunda repercussão na comunidade, dando-lhe em troca eventualmente
fama, proveitos… Mas isso são como que lucubrações
laterais que nada têm a ver com o fulcro da questão. E, em geral, a
História esclarece-nos que o triunfo popular (para além de ser frequentemente
uma carta viciada) é algo que não obedece a leis seguras. Veja-se Balzac, nos
tempos de novel operador, a escrever livralhada deliberadamente popular e que
hoje já ninguém lê nem recorda. Só depois, tocado pelo aguilhão da febre
interior da escrita, se esteve salutarmente nas
tintas para o que o público iria pensar – o que deu diversas obras-primas
para todas as estações e vários públicos e até lhe permitiu liquidar algumas
contas… As máscaras, como os homens da comedia
del’arte muito bem sabiam, ora choram ora riem, atravessando os espelhos da
existência - e nunca se sabe exactamente quando afixam uma ou outra condição.
São, em suma, tão mutáveis como o Destino.
O Teatro e o seu corpo duplo
Parece que faz ainda sentido, também, acreditar-se que o teatro
desempenha um papel qualquer. Pelo menos poderia pensar-se em tal ao
verificar-se, pela leitura dos periódicos, que há companhias – maiores ou
menores, de bolso, de laboratório, o diabo a quatro – que dão ao público material para muitos gostos. É verdade
que também se fala, acredito que com seriedade, na crise que o teatro
atravessa, ou seja: nas dificuldades que essas companhias vão tendo para, sem
subsídios, tratarem da sua vida pessoal e artisticamente falando. O panorama
está pois algo encarquilhado…
Isto no plano do teatro representado. No que diz parte ao teatro
enquanto escrita, porque em geral as peças são publicadas antes de alguma
companhia lhes pegar, o panorama é diferente, embora isso não signifique que
seja mais favorável. Antes pelo contrário, diria.
Praticamente não há colecções estáveis de teatro (criações e não
reproduções) cá no país. Os próprios escritores, a não ser que sintam um
irreprimível impulso, em geral canalizam a sua criatividade noutras direcções.
Ou escrevem uma peça assim como incursão do seu estro por continentes
afastados. E isto porque, digamo-lo sem máscaras nem paninhos quentes, o chamado grande público não gosta (não
tem pachorra) de livros de teatro, como aliás já o constatavam os exemplares
“Cadernos de Teatro” dirigidos por Orlando Vitorino. Se for representado, ainda
vá… Mas lido?! Falemos de outras coisas…
Como tudo tem uma explicação, procuremos a que se adequa a este facto.
Tal deve-se a meu ver, em primeiro lugar, à deflação cultural que existe
e que é evidente. Tempos atrás, na coluna que mantinha no “Le monde diplomatique”, Jean-François Revel constatava que o
analfabetismo funcional mais do que ser estável está a crescer – sendo aliás
alto – nas sociedades tradicionalmente alfabetizadas. Além disso, o papel da
cultura nas sociedades modernas já não é o que era no século dezanove, digamos.
Por essa época, que era um período fáustico, as melhores consciências
acreditavam na cultura enquanto instrumento de penetração no conhecimento. Viam
nela uma possibilidade para o Homem se adestrar no relacionamento com os
outros, até que verificaram esta coisa muito simples: a cultura é sempre um
motor de divisão, de diferença, diria
mesmo de provocação principalmente dos poderes constituídos. A cultura, ao
humanizar, cria exigências, faz crescer as interrogações. O indivíduo culto
torna-se frequentemente incómodo, questiona a sociedade e, em última análise,
questiona-se mesmo a si próprio, tentando perceber qual a sua posição ante a
Vida. Por isso é que, passado um certo tempo de inocência, os dirigentes da
sociedade resolveram por bem apoderar-se das suas rédeas, nomeadamente
controlando as diversas variáveis do facto cultural. Mas como este é inevitável
e, ainda por cima - tal como o espírito -
sopra nos lugares onde menos se espera, buscou-se torná-lo matéria
moldável ao bel-prazer dos académicos, dos eruditos ou, então, através duma
operação arguta de camuflagem, coisa de tempos livres (como divertimento ainda que algo elevado)
para as massas ou de luxo para os casos
de aparente maior exigência.
O teatro, sendo na altura extremamente apelativo (tendo mesmo um vector
de distinção social ou mundana), era
controlado de forma perspicaz: teatros de Estado, algumas vezes; doutras,
teatro de boulevard onde se iam ver reproduzidos
comportamentos considerados exemplares, por um lado, ou as curiosidades
cómicas, dramáticas e trágicas que davam o sal e a pimenta ao ramerrão da vida
burguesa.
Ainda hoje isso sucede. Veja-se o êxito, surpreendente para alguns mais
distraídos, que tiveram peças que tranquilamente passam por nós no Rossio e que
consolam as almas mais ou menos aflitas por um dia-a-dia anquilosante. O facto
não tem nada de estranho: há no nosso tempo, como sempre houve, um desejo de
divertimento e de evasão perfeitamente compreensível uma vez que, como
Jean-Marie Domenach assinalou com pertinência, vivemos hoje de novo o retorno
do trágico duma forma impetuosa. Salvo as excepções que sempre existem, as
populações sentem a necessidade imperiosa de mudar o sentido que o imaginário
social tomou: os talk-shaws e as
telenovelas são uma das fórmulas que se arranjaram para fixar as sensações mais
profundas e que pululam sob o consciente. E ambas são, em última análise, não
mais que um ersatz do teatro, tanto
mais que, de acordo com informações que sempre transpiram, tem havido talk-shaws em que actores profissionais,
discretamente camuflados, fazem o papel de pessoas do quotidiano com os seus
problemas específicos para a função.
Aliás, geralmente os propiciadores de telenovelas nem tentam fazer
passar por arte aquilo que sabem muito bem não o ser. Digamos, com a suficiente
carga irónica, que até são corporativamente
honestos: nunca se viu nem talvez se verá virem defender o seu produto como
facto artístico em si. O máximo que dizem é que se trata dum divertimento bem feito de que as pessoas
gostam e que exigem lhes seja servido num bom invólucro. Eis a explicação para
as reservas bizantinas que se faziam ao comparar-se telenovelas brasileiras e
portuguesas: as primeiras, no dizer de críticos ou emissores de opinião
específica, seriam superiores às segundas, na medida em que teriam melhores
interpretações e argumentos mais consistentes. Trocado por miúdos e falando com
lucidez: porque eram/são uma treta feita de maneira muito mais habilidosa.
Não vamos acentuar a fotografia, uma vez que nos parece estar já tudo
dito. O teatro, seja nas salas onde ainda se faz ou nos mass-media áudio-visuais, é de facto outra coisa muito diferente.
Em primeiro lugar, no teatro enquanto obra de arte existe uma parte de segredo no sentido que lhe
dava a Sabedoria Tradicional, que consiste em possuir uma estrutura que não é
linear. Possui uma segunda leitura,
caldeada na poesia que lhe é própria e que se sublinha na possibilidade de ter diversas encenações consoante a opção de
quem o coloca em palco e o interpreta. Posso até dar como exemplo limite – e
não estou a pôr em epígrafe a maior ou menor qualidade do resultado, a
transformação numa comédia dramática com fortes laivos de irrisão do drama de
António Patrício “O Fim” efectuada
pelo grupo de teatro existente em Portalegre.
Este é um dos aspectos. Outro, é a carga
interior que os diálogos, as cenas, os actos, devido a uma articulação
específica, têm. Por exemplo: parecendo na altura que estava a dizer coisas sem
sentido, ao dar à existência a sua “A
anunciação feita a Maria”, que na época apareceu a alguns sectores como
blasfema (não fora Claudel um católico reconhecido e teria decerto pago o seu
desaforo!), fez o dramaturgo francês a crítica mais justa a uma existência
esclerosada e às dificuldades que nela pode ter um ser sedento de autenticidade
e pureza.
Além disso o teatro verdadeiro, não o de trazer-por-casa, implica como
tudo o que tem qualidade um esforço de
reconhecimento. Num mundo que tenta expandir a banalidade, a frivolidade e
a dependência de espírito,
naturalmente que o teatro tem de ser pouco popular. É que não pode, de facto,
conciliar-se qualidade com preguiça mental ainda que se corram certos riscos. O
verdadeiro artista, aliás, tem de assumir a parte
maldita que o mundo actual lhe reserva e que, em mundos antigos, também lhe
cabia: com efeito, sabe-se que muitos autores antigos, hoje dados como
clássicos, se viram em palpos-de-aranha por obra e graça dos poderes de então.
São, digamos, os ossos do ofício…
Finalmente e embora eu vá repetir algo que já
está esclarecido, creio, diga-se que a popularidade de certos mistérios religiosos postos em cena na
Idade Média lhes advinha não do entendimento que o espectador tinha deles mas,
sim, de falarem em algo que encontrava forte repercussão nos sentimentos e
concepções de então. Noutro plano, para exemplificar, o apreço que as obras de
Miguel Ângelo colhiam não lhes advinha da sua qualidade própria enquanto pintura mas sim da figuração que ia ao
encontro da religiosidade geral. Aliás, muitos outros pintores menores e até
alguns pinta-monos gozavam de similar apreço. E, como detalhe irónico mas
verdadeiro, veja-se que só recentemente alguns dos seus frescos foram
apresentados como ele de facto os concebera, pois tinham sido decorosamente
vestidos pelo pudor eclesial.
As relações entre o artista e a sociedade têm passado sempre – pelo
menos até à segunda metade do século vinte – por um curioso jogo-de-escondidas
bordejando a atracção e a repugnância de aquele para esta e vice-versa. Com a
chegada dos universos mediáticos a paisagem clarificou-se: o artista é hoje uma
excelente caça para exibir em locais mais ou menos tributáveis. Contudo, seja
em momentos da sua vida seja porque a lógica do seu discurso específico se
impõe, o espécime venatório em apreço às vezes refila e abre frentes de
conflito onde menos se espera. Já lá
dizia Mestre Ubu que num estado bem organizado os artistas deveriam ser
obrigados a marchar, de manhãzinha, pelo menos quarenta quilómetros antes do
pequeno almoço…
O teatro, esse cadinho de imagens multiplicadas e algo contraditórias,
fala – até nos seus silêncios muito próprios. Como a vida, evidentemente.
O Teatro e o seu corpo múltiplo
Defendem alguns pensadores argutos,
contrariados ou corrigidos por outros tão argutos como eles, que hoje por hoje
o nosso mundo se transformou num vasto palco onde se representam sem cessar
muitas e variadas peças – mas descontinuamente como é apanágio do quotidiano; e
aos fragmentos, como parece que deverá ser típico duma sociedade repartida por
grupos, interesses e sectores degladiando-se sem cessar. Houve até um tal
Herman Hesse que, certa vez, em carta a um confrade, sustentou mesmo a teoria
de que o que temos socialmente é uma contínua encenação, na medida em que os
sentimentos, as relações e os contactos societários estão sujeitos a
preconceitos incoerentes ,a juízos morais perfeitamente burlescos e a normas
desvairadas, desajustadas e mais ou menos falidas.
Permitam-me que não opine. Aliás de pouco me serviria, porque nunca se
sabe em definitivo se não estamos (filosoficamente) a ser personagens nessa
peça que eventualmente anda a fazer a sua tournée pelo globo. Como dizia Thomas
Mann, “de facto, muito bem se sabe que o
artista não é em si mesmo um ente moral mas um ente estético, que o que o
inspira e move não é a virtude mas o jogo, inclinado espontaneamente a jogar, ainda
que mais não seja do que dialecticamente, com os problemas e as antinomias da
moral…”. Mas também isso acontece duma certa forma velada, diria teatral:
no fundo, excepto para tornar os dias um pouco mais coloridos nos seus
intervalos de lazer, um artista não serve para nada como os rouxinóis ou os
gatos. Se tiver um pouco de juízo, procurará transformar as suas quimeras (“os seus sonhos particulares”, como dizia
Vigny em algo aproveitável para a comunidade. Ou seja – e veja-se que estou a
tomar a óptica do Poder – em algo que morigere as almas e as ponha escaroladas
e prontas para as tarefas do dia a dia…
(Em todos os tempos e principalmente na época moderna, onde a questão
artística assumiu foros de “personagem” e os seus protagonistas vulto de profissionais
com direitos cívicos reconhecíveis, alguns operadores económicos deram-se conta
de que era possível aproveitar certas virtualidades espectaculares desses
cidadãos, nomeadamente se os conseguissem travestir de “enfants terribles” e de “jolies
dames”, a um tempo brilhantes e inócuos para não lhes empatarem e até
beneficiarem alguns fins-de-meses. O negócio é compensador, tanto mais que são
eles que controlam o mercado e as reputações).
O hábito da simulação – melhor, a sua necessidade - difundiu-se na vida pública e privada,
forjando aquilo a que poderei chamar a teatralização
dos imaginários, o que provoca uma ausência de gosto pela profundidade das
coisas e pela realidade do quotidiano. O apodrecimento
das sociedades, para empregar a expressão cunhada por Georges Pérec, é um
facto indesmentível; em certa medida vivemos mergulhados numa esquizofrenia social evidente, tendo os
próprios ritos religiosos mergulhado numa teatralidade profunda para suscitar
com mais ímpeto o interesse dos fiéis que cada vez mais se alheiam da religação, aderindo antes ao espectáculo
mediático proposto. Em certos países, nomeadamente no Brasil, onde o palco é
partilhado por diversas confissões e seitas de forma muito intensa e até
gratificante, existe mesmo uma emulação de gurus e figuras de proa onde a
encenação da mística é profundamente marcada.
Contra isto, o que pode o teatro – o teatro de qualidade, complexo e
exigente? Necessariamente não pode muito: enquanto brinquedo é pouco sugestivo,
enquanto reflexão é solitário e “pobre”. Enquanto espectáculo lá se vai
aguentando, manquejando, como aqueles heróis velhos das batalhas, de bigode
farfalhudo. E no entanto…
E no entanto continua a fazer sentido. Eu diria – mais do que nunca.
Porque o teatro verdadeiro, o que sem partis-pris
aguenta nobremente a sua própria incomodidade e a sua própria desgraça, é um
jogo legítimo com a alegria e a inquietação de existir. Misturando e combinando
os ritmos da vida e da morte, entrega-se à festa do espírito com toda a
naturalidade de uma cadencia lúcida que antecipa ou acompanha os grandes
raciocínios da existência livre e estruturada em moldes criativos, plásmicos e
salubres. Feito para dez, vinte ou duzentos espectadores, permite-nos colocar o
problema nos seguintes termos: “Entrego-me
ao jogo que me ajudará a libertar a minha cadencia vital e social sem alienar o
meu ser profundo, aquilo que sou enquanto membro da espécie humana. Sei que
tudo faz sentido porque não perco de vista que o contentamento, a diversão e o
repouso não me retiram a capacidade crítica e a inquietação criadora. E, assim,
sou verdadeiramente participante em algo que é inevitável mas que já não me
assusta: a progressiva marcha para a velhice e a morte, com o seu brusco ou
leve correr de pano”.
Ou seja: a meu ver, o teatro tal como o entendo é um exorcismo contra o
absurdo e a infelicidade da vida breve,
contra a senilidade social e a barbárie que nos querem impor através de
mecanismos de disfarce disseminados habilidosamente em descargas pretensamente
cómicas ou dramáticas. Tal pressupõe uma chamada de atenção, se assim o
quiserem, para a ética e não para a
moral.
Num mundo que já não sabe bem onde está a realidade (veja-se a
relevância que tomaram nos últimos tempos – até que os extinguiram porque estavam
a mostrar demasiado o jogo… - uns
simulacros intitulados “Apanhados”, onde situações absurdas ou estranhas eram
encenadas sem que as vítimas se dessem conta e que tomavam por realidade), o
teatro é uma parte da receita contra a incapacidade de multiplicação da visão
clara que se pode ter das coisas. Repõe no seu verdadeiro contexto os dados da
questão primordial: se somos alguma coisa, o que somos necessita de máscara? Se
viemos de algum lugar, esse lugar onde está? Se vamos para algum lado, porquê
fazer a caminhada duma forma que nos angustia mas não nos permite utilizar as
pistas que temos?
Estas são perguntas legítimas. E são muito. São, com efeito, quase tudo.
Conclusão
A peça de teatro a que se aludiu a dado passo da conferência a que este
texto deu corpo (“Passagem de nível”)
e que foi publicada depois de vicissitudes diversas originadas por gentes
alheias à sua saída a lume, escrevi-a numa altura em que me achava penosamente
entregue a ostracismos provocados pela minha incapacidade de aderir a ritmos
que visam acorrentar o ser humano a manjedouras de grupo ou de sector. Foi uma
espécie de resposta vital à indignidade com que tentam macular-nos
frequentemente, mesmo numa sociedade pretensamente democrática. Escrita em
dezoito dias, quase de jacto e praticamente sem modificações, afixa a minha
crença em alguns valores tais como: o amor electivo entre seres que se
encontram a despeito das misérias das épocas, a liberdade de utilizar o tempo
que nos é dado viver sem estarmos dependentes de preconceitos, a busca do
conhecimento que pode ser a antecâmara duma eventual sabedoria.
Tal como Thomas Mann eu acredito que “o espírito não é monolítico, é uma força encerrada na vontade de fazer
a sua própria imagem do mundo, a vida, a sociedade”. E, sendo assim,
permanece como uma janela aberta sobre os diversos palcos da existência onde as
personagens se movem como num início de acto.
ns
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