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1. Diante da escassez das relações culturais entre Brasil e Portugal, o que tem falhado sistematicamente na efetivação de um diálogo entre as nossas culturas?
Creio que o problema depende dos que controlam
e orientam os ritmos – e que velam ou desvelam, conforme os seus interesses
específicos, o denominado facto cultural ou, por outras palavras se
assim se quiser, o relacionamento cultural.
Ou
seja: os Estados – não sejamos tolos ou, no mínimo, ingénuos – vêem o facto
cultural, a Cultura, como um assunto precisamente de Estado. E dessa
óptica, ou opção, ou posicionamento, decorre muito dum todo: a fabricação de ensejos e de protagonistas que servem
fundamentalmente para essa mesma entidade (o Estado) tirar dividendos que, a
seu ver, são muito legítimos e naturais. Como, em geral, ele vê nessa área
apenas a oportunidade de ir existindo conforme à sua própria estrutura - tanto
lhe faz, digamos lucidamente, que os protagonistas sejam de alto gabarito como
não, o que é preciso é que façam parte da classe que põe e dispõe
“culturalmente” e que sejam operosos e mexidos - à medida que o tempo corre, o
pelotão e os sucessos vão-se desvanecendo e transformando naquilo que de facto
corresponde ao seu real rosto enquanto “verbo de encher” o panorama:
sombras voláteis que já animaram a festa, que já desempenharam o seu papel...e
podem pois desaparecer no horizonte...
Enquanto o Estado não fizer o que deve, isto é: dar o dinheiro e ir-se embora, pois que
a sua presença só estraga as ocasiões nobres e dignas – tudo continuará mal.
Por
outro lado, pode dizer-se que é suficiente deixar-se o facto e o relacionamento
cultural entregue a particulares? Não me parece, por esta razão: geralmente
imersos num ambiente duvidoso, os ditos “operadores culturais” são em
grande parte não mais que utilizadores sem grandeza, muitas vezes pequenos
jogadores intelectuais (mesmo que medalhados em corridas de fundo ou
estafetas pelos consabidos intelectuais
orgânicos) sôfregos apenas de prebendas, notoriedades ou ocasiões dum
protagonismo…cavalar – o qual seria muito legítimo se decorrente da
verticalidade e da dignificação cultural, por outras palavras: da sageza, da
alta qualidade e não dos companheirismos pessoais ou políticos.
Creio
que o ambiente é um pouco como se a civilização dos dois lados do mar
concebesse que está prestes a desaparecer e agisse desta forma: para quê
estarmos a chatear-nos com isso da cultura real e aprofundada se, afinal,
isto está de resto? Vamos mas é gozar
o ar do dia e quem vier atrás que feche a porta...
Só
assim se entende que sejam tão desajeitados, tão inábeis (ou serão apenas
cínicos?) no estabelecimento dum são relacionamento inter-margens!
2. De que modo esta fenda que separa dois
países que habitam a mesma língua se repercute, direta ou indiretamente, na
área da poesia?
Acho
que cria mundos virtuais, digamos, nessa área específica: repetem-se
insaciavelmente os mesmos nomes, como locutores doudos que não soubessem
esquadrinhar a realidade. Por ignorância, oportunismo, preguiça, falta de
senso...?
E isso
não tem desculpa...nem perdão. Lembremos a frase famosa e justíssima de
Lautréamont: “Nem toda a água do mar será suficiente para lavar a mais pequena
nódoa de sangue intelectual!”. Em relação a esses verdadeiros malandrins
intelectuais, votemos-lhes, pelo menos, um trejeito de profundo desagrado!
3. Na
sua perspectiva, o que poderia ser feito para mudar esse panorama?
Deveria
entregar-se a frequentação e a incursão no relacionamento intelectual, em
primeiro lugar, a pessoas sérias e de alto talento – e não a meros cortesãos
bem colocados nos níveis da árvore do poder ou do prestígio estruturado
mediante o oportunismo ou o bem-jogar. Editarem-se, nesta área própria,
autores pela sua qualidade e não pelas suas ligações interiores ou
exteriores às personalidades ou aos areópagos que fazem a chuva e o bom
tempo intelectual e cultural, quantas vezes com fraquíssima capacidade
meteorológica... Ter-se da cultura uma opinião desenvolta e arejada e não
ver-se nela um ensejo para fazer fins de meses...
Isto sou eu a sonhar...não acredito
sinceramente que os que dispõem do poder estejam pelos ajustes.
Daí
que nos reste apenas a possibilidade que inda que minúscula é a mais nobre, de
irmos singrando como parentes pobres, desvalidos sim mas que são afinal
donos do maior tesouro – que é o que parte do caracter íntegro e cabal de que
só os velhacos podem blasonar.
Atalaião, 12 de Julho
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