quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Brasil & Portugal - respostas de ns a Floriano Martins

 

ns



 1. Diante da escassez das relações culturais entre Brasil e Portugal, o que tem falhado sistematicamente na efetivação de um diálogo entre as nossas culturas?

 

  Creio que o problema depende dos que controlam e orientam os ritmos – e que velam ou desvelam, conforme os seus interesses específicos, o denominado facto cultural ou, por outras palavras se assim se quiser, o relacionamento cultural.

  Ou seja: os Estados – não sejamos tolos ou, no mínimo, ingénuos – vêem o facto cultural, a Cultura, como um assunto precisamente de Estado. E dessa óptica, ou opção, ou posicionamento, decorre muito dum todo: a fabricação de ensejos e de protagonistas que servem fundamentalmente para essa mesma entidade (o Estado) tirar dividendos que, a seu ver, são muito legítimos e naturais. Como, em geral, ele vê nessa área apenas a oportunidade de ir existindo conforme à sua própria estrutura - tanto lhe faz, digamos lucidamente, que os protagonistas sejam de alto gabarito como não, o que é preciso é que façam parte da classe que põe e dispõe “culturalmente” e que sejam operosos e mexidos - à medida que o tempo corre, o pelotão e os sucessos vão-se desvanecendo e transformando naquilo que de facto corresponde ao seu real rosto enquanto “verbo de encher” o panorama: sombras voláteis que já animaram a festa, que já desempenharam o seu papel...e podem pois desaparecer no horizonte...

  Enquanto o Estado não fizer o que deve, isto é: dar o dinheiro e ir-se embora, pois que a sua presença só estraga as ocasiões nobres e dignas – tudo continuará mal.

   Por outro lado, pode dizer-se que é suficiente deixar-se o facto e o relacionamento cultural entregue a particulares? Não me parece, por esta razão: geralmente imersos num ambiente duvidoso, os ditos “operadores culturais” são em grande parte não mais que utilizadores sem grandeza, muitas vezes pequenos jogadores intelectuais (mesmo que medalhados em corridas de fundo ou estafetas pelos consabidos intelectuais orgânicos) sôfregos apenas de prebendas, notoriedades ou ocasiões dum protagonismo…cavalar – o qual seria muito legítimo se decorrente da verticalidade e da dignificação cultural, por outras palavras: da sageza, da alta qualidade e não dos companheirismos pessoais ou políticos.

   Creio que o ambiente é um pouco como se a civilização dos dois lados do mar concebesse que está prestes a desaparecer e agisse desta forma: para quê estarmos a chatear-nos com isso da cultura real e aprofundada se, afinal, isto está de resto? Vamos mas é gozar o ar do dia e quem vier atrás que feche a porta...

  Só assim se entende que sejam tão desajeitados, tão inábeis (ou serão apenas cínicos?) no estabelecimento dum são relacionamento inter-margens!

 

2. De que modo esta fenda que separa dois países que habitam a mesma língua se repercute, direta ou indiretamente, na área da poesia?

 

    Acho que cria mundos virtuais, digamos, nessa área específica: repetem-se insaciavelmente os mesmos nomes, como locutores doudos que não soubessem esquadrinhar a realidade. Por ignorância, oportunismo, preguiça, falta de senso...?

  E isso não tem desculpa...nem perdão. Lembremos a frase famosa e justíssima de Lautréamont: “Nem toda a água do mar será suficiente para lavar a mais pequena nódoa de sangue intelectual!”. Em relação a esses verdadeiros malandrins intelectuais, votemos-lhes, pelo menos, um trejeito de profundo desagrado!

 

3.  Na sua perspectiva, o que poderia ser feito para mudar esse panorama?

 

   Deveria entregar-se a frequentação e a incursão no relacionamento intelectual, em primeiro lugar, a pessoas sérias e de alto talento – e não a meros cortesãos bem colocados nos níveis da árvore do poder ou do prestígio estruturado mediante o oportunismo ou o bem-jogar. Editarem-se, nesta área própria, autores pela sua qualidade e não pelas suas ligações interiores ou exteriores às personalidades ou aos areópagos que fazem a chuva e o bom tempo intelectual e cultural, quantas vezes com fraquíssima capacidade meteorológica... Ter-se da cultura uma opinião desenvolta e arejada e não ver-se nela um ensejo para fazer fins de meses...

  Isto sou eu a sonhar...não acredito sinceramente que os que dispõem do poder estejam pelos ajustes.

   Daí que nos reste apenas a possibilidade que inda que minúscula é a mais nobre, de irmos singrando como parentes pobres, desvalidos sim mas que são afinal donos do maior tesouro – que é o que parte do caracter íntegro e cabal de que só os velhacos podem blasonar.

 

                                                                                       Atalaião, 12 de Julho


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