FELICIDADE
Em certo dia, o senhor Jacquemard pôs-se a
pensar. Tinha entrado na sala depois de vir da rua, atravessado o vestíbulo sem
reparar em nada e, ao acender a luz, viu os tigres. Olhou de novo. Um estava ao
pé da mesa, com um ar de expectativa e o outro, maiorzinho, acomodado no sofá.
O senhor Jacquemard, depois de ter tirado o
maço azul de “Gauloises” da estante ao pé da televisão, apagou a luz e
fechou a porta mansamente. Desceu as escadas, fez um gesto feio nas costas da
porteira e saiu para o frio de Março. O senhor André, o ronha reformado do Estado,
bastante mais velho que Jacquemard e perito em electricidades, estava como
sempre na sua mesa por detrás da montra do cafézinho da esquina e olhou-o
suspeitosamente. O senhor Jacquemard foi andando, pensando como um homem a quem
tivesse saído a lotaria sem estar à espera. No seu peito algo ronronava com
ternura. Jacquemard começou a recordar-se da sua infância no Poitu: os regatos
correndo entre bosques de avelaneiras, o fumo sobre os telhados das casas da
quinta, o tilintar dos chocalhos das vacas da courela de mestre Paupel, o seu
boné de abas quando era inverno. “Jacquemard,
pensou de si para si, há coisas na vida
que não podemos explicar. Tomemo-las como ofertas do mundo misterioso. Não
esperar mais do que a nossa conta...isso é que é saudável!”.
Em vista disso foi andando para a tasca onde
costumava fazer as suas refeições desde que a mulher falecera, resolvido a
destroçar uns belos linguados salteados com batatinhas. Um dos seus pratos
favoritos, ainda que não fôsse um comilão.
Ia cheio de paz, mas um bocado intrigado.
Disse com os seus botões:” Logo, quando
me for deitar, espero bem que também lá estejam uns avestruzes”. O senhor
Jacquemard sempre fora, e isto desde pequeno, um homem de espírito aberto,
curioso até mais não. Lá na loja, por causa disso, os colegas até lhe atiravam
às vezes, de raspão, piadas que lhe entravam por um ouvido e saíam pelo outro.
(tradução de ns)
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