segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Claude Vercey, Ode ao presidente S.

 



ODE AO PRESIDENTE S.

 

Trabalho menos,

porque não trabalho mais e mais,

e ganho assim, um pouco, todo mês,

e pouco a pouco acabo por ganhar

um pouco menos todo mês, assim.

Trabalho, pois, um pouco,

vez por outra,

só para ganhar

um pouco mais que o pouco ganho já.

E, com efeito, que milagre enfim:

mais eu trabalho para mais ganhar... Será?

Bem trabalhar para ganhar a vida

mais ou menos, pois.

Atravessar a vida trabalhando sem parar,

ganhar a vida trabalhando, mas

não a desperdiçar a trabalhar

e trabalhar melhor, mesmo que não trabalhe mais.

Mais trabalhar agora para não ter mais

de tanto trabalhar depois

ou, pelo menos, não mais trabalhar

demais.

Para ganhar o que se ganha

não mais se matar de trabalhar,

mas trabalhar só mais ou menos,

para se virar...

Mas quem será que nos trabalha a nós

e quem nos ganha?

Não seremos trabalhados, todos nós,

pelo trabalho e ganhos pelo ganho em si?

Mais trabalhar para ganhar, assim

digamos, mais ou menos mais?

Alguém está, parece, a reclamar?

Mas não irá já, já descarrilar?

Mais se trabalha,

mais se ganha,

isso sim.

Mas o que é que se ganha, quer dizer,

o que se ganha a mais quando se ganha mais?

O que se ganhará, por fim?

Estima de uma turba amotinada,

respeito do patrão ou saudação

dos companheiros? Um feriadão,

quem sabe, um litoral distante ali?

Talvez a vida: nós ganhamos, afinal,

a vida ou tão somente um tempo a mais?

E quem acaba trabalhando a quem,

tão logo recebermos nosso ganho, nós?

Os que trabalham mais

e os que mais ganham

são os mesmos, hein?

Os que trabalham mais ainda

e os que ganham sempre mais

também o são,

conforme diz uma notícia lá?

Uma suspeita que me ganha,

mais ou menos,

vem

a trabalhar-me mais ou menos...

Em geral,

o que se ganha, trabalhando, a mais

é o que a gente valoriza bem

nesses momentos

em que não trabalha mais.

Trabalhar menos

para mais curtir.

De vez em quando, pôr as mãos

na massa se não nos faltar disposição

nem tempo, repartir então

nossas tarefas, vir a assegurar

a nossa parte, vir a  trabalhar

exatamente o necessário, trabalhar

devagarinho, sem nos apressar,

deixar a vida transcorrer.

Não trabalhar em vão.

Sem nos tornarmos ricos, só ganhar

o nosso pão,

só trabalhar para matar a fome, labutar

só por prazer, levar em consideração

idades, meios e necessidades, descansar,

dar tempo ao tempo para desfrutar

do tempo que nos resta, martelar

o ferro enquanto está a arder,

ir, aos domingos, vagabundear

mui calmamente lá, no campo, sem ligar

a nada, mais ou menos,

e trocar,

cada vez mais,

apertos amicais de mão.

 

 

                                                Tradução de OLEG ALMEIDA


*         

C.V,  grande incrementador e difusor de poesia na Borgonha, este poeta e homem de teatro é o responsável pela Colecção Polder, que já fez sair centenas de autores de gabarito dum injusto anonimato propiciado pelas “écuries” gaulesas.


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