ODE AO PRESIDENTE S.
Trabalho menos,
porque não trabalho mais e mais,
e ganho assim, um pouco, todo mês,
e pouco a pouco acabo por ganhar
um pouco menos todo mês, assim.
Trabalho, pois, um pouco,
vez por outra,
só para ganhar
um pouco mais que o pouco ganho já.
E, com efeito, que milagre enfim:
mais eu trabalho para mais ganhar... Será?
Bem trabalhar para ganhar a vida
mais ou menos, pois.
Atravessar a vida trabalhando sem parar,
ganhar a vida trabalhando, mas
não a desperdiçar a trabalhar
e trabalhar melhor, mesmo que não trabalhe mais.
Mais trabalhar agora para não ter mais
de tanto trabalhar depois
ou, pelo menos, não mais trabalhar
demais.
Para ganhar o que se ganha
não mais se matar de trabalhar,
mas trabalhar só mais ou menos,
para se virar...
Mas quem será que nos trabalha a nós
e quem nos ganha?
Não seremos trabalhados, todos nós,
pelo trabalho e ganhos pelo ganho em si?
Mais trabalhar para ganhar, assim
digamos, mais ou menos mais?
Alguém está, parece, a reclamar?
Mas não irá já, já descarrilar?
Mais se trabalha,
mais se ganha,
isso sim.
Mas o que é que se ganha, quer dizer,
o que se ganha a mais quando se ganha mais?
O que se ganhará, por fim?
Estima de uma turba amotinada,
respeito do patrão ou saudação
dos companheiros? Um feriadão,
quem sabe, um litoral distante ali?
Talvez a vida: nós ganhamos, afinal,
a vida ou tão somente um tempo a mais?
E quem acaba trabalhando a quem,
tão logo recebermos nosso ganho, nós?
Os que trabalham mais
e os que mais ganham
são os mesmos, hein?
Os que trabalham mais ainda
e os que ganham sempre mais
também o são,
conforme diz uma notícia lá?
Uma suspeita que me ganha,
mais ou menos,
vem
a trabalhar-me mais ou menos...
Em geral,
o que se ganha, trabalhando, a mais
é o que a gente valoriza bem
nesses momentos
em que não trabalha mais.
Trabalhar menos
para mais curtir.
De vez em quando, pôr as mãos
na massa se não nos faltar disposição
nem tempo, repartir então
nossas tarefas, vir a assegurar
a nossa parte, vir a
trabalhar
exatamente o necessário, trabalhar
devagarinho, sem nos apressar,
deixar a vida transcorrer.
Não trabalhar em vão.
Sem nos tornarmos ricos, só ganhar
o nosso pão,
só trabalhar para matar a fome, labutar
só por prazer, levar em consideração
idades, meios e necessidades, descansar,
dar tempo ao tempo para desfrutar
do tempo que nos resta, martelar
o ferro enquanto está a arder,
ir, aos domingos, vagabundear
mui calmamente lá, no campo, sem ligar
a nada, mais ou menos,
e trocar,
cada vez mais,
apertos amicais de mão.
Tradução de OLEG ALMEIDA
*
C.V, grande incrementador e difusor de poesia na
Borgonha, este poeta e homem de teatro é o responsável pela Colecção Polder,
que já fez sair centenas de autores de gabarito dum injusto anonimato
propiciado pelas “écuries” gaulesas.
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