O QUE FICA
Fica a poesia, claro, benefício da
abertura temporal
De a ela, e com gosto, poder-me
entregar. Só aqui
Poderia abalançar-me a um volume de
900 páginas. Li
Assim Homero e Camões, Nemésio,
Sophia, agora por sinal.
De século mudo com frequência e
facilidade extrema.
O canto dos jograis sem lupa no
original entendo,
Passo depois à língua mais próxima
de Garrett, qual o vento
Dispensando cuidados e temores em
terra pequena…
E é também escasso o tempo
balizando este arco
Onde me vejo e só assim defino a
Pátria, minha amada:
Não sendo só o que é mas também o
que já foi, projectada
No futuro como projéctil que não
pára, certeiro e raro.
Qual linhagem, tronco, família,
estirpe, que mais direi
Desta pertença a um fluxo que eu
quero mas pouco sei?!
Até para algum café mais central
não tenho pejo de assim levar
O que outros dirão dicionário,
grosso calhamaço ou missal.
Tem é o carro de ficar perto, já
que destas contas, no final
Não é muito cómodo tanto peso numa
só mão passear.
Quase sempre em férias, sozinho
nesta aldeia e adjacente
Cidade. Venho para descansar. A tão
gostosos prélios me entrego.
Se o tempo me não permite outros
afazeres a ilusão trasfego
De algumas leituras terminar…Pura
ilusão. E sigo em frente.
Mas é isso que fica, esse
testemunho, esse elo na cadeia
De que me vou sentindo parte,
fazendo meus e melhor conhecendo
Parentes em que me honro e
continuo. O facto é que, lendo-os
Aos mesmos deuses sacrifico,
digamos pois que semelhante ideia
Me transcende, incessante direi
dessa luta que única me importa.
Nesta casa do ser todo e cada um encontrará a justa porta.
Cristino Cortes
(Este poema encerra o livro, com o mesmo título, publicado no início de 2019 pela Editora Calçada das Letras, de Lisboa.)
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