segunda-feira, 31 de agosto de 2020

José do Carmo Francisco - Crónicas do Tejo

 

Foto de Nuno Botelho



Os marcos – dissertação para uma foto de Nuno Botelho


    Eram os marcos. Uma pontuação de pedra na terra da Cidade. Lá pelos idos de 1966 na Travessa do Caldeira em Lisboa havia um recanto dito «os marquinhos» que dava para a Rua do Poço dos Negros. Ali perto, no Largo do Conde Barão, havia marcos iguais onde os botes do tempo antigo se prendiam quando não havia Aterro e o Tejo estava logo ali. Basta ver em paralelo as gravuras da Estação de Santa Apolónia. A Avenida 24 de Julho veio depois com o seu arsenal de carros americanos, eléctricos compridos, autocarros verdes e o diabo a quatro. Hoje tem «tuk tuks» iguais aos de Banguecoque mas sem pedais nem meninas de doze anos à porta dos bares. Lá iremos, com estes imaginosos empreendedores tudo será possível. Eram os marcos. Eram os marcos e o sol, o mesmo sol que o Poeta Fernando Assis Pacheco gostaria de prender, de poder parar sobre a cidade de Lisboa. Mas os Poetas não são Deuses e essa tarefa de parar o sol é impossível aos Poetas. A única aproximação é a dos fotógrafos que registam e guardam o esplendor do momento. A foto regista o brilho do sol na pedra do marco, pedra gasta pela usura do tempo e dos rapazes que nela saltavam uns atrás dos outros, na alegria convocada das manhãs da Rua do Sol a Santa Catarina. O Rio Tejo estava ali tão perto. Os marcos lembram um poema de Dinis Machado bem disfarçado de prosa na página 99 do livro «O que diz Molero». Assim: «Apenas água. Água mãe da pureza. (O sangue que te dou é água rubra.) Água de tudo. Mas água viva. E antes que o silêncio da água nos descubra. Água das fontes para os teus ouvidos. Água da minha mão na tua mão. Água para os veleiros adormecidos nos telhados de cada solidão. Apenas água. E por falar em água (água de tudo, límpida e corrente) só eu sei como a água dos teus sonhos canta no coração de toda a gente.»

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