Ser artista, já se sabe, é um trabalho
arriscado – pese às opiniões contrárias e menos avisadas. E isto porque ser
artista é algo que se nos impõe, que não escolhemos (pelo menos numa fase
anterior) que vive e palpita com a força das evidências e quase sempre nos
arrasta, se sabemos ser fiéis à demanda, por caminhos onde pedras e ciladas, se
mal nos precatamos, buscam tolher-nos o passo e extinguir-nos a frescura do
olhar.
Ser professor é também arriscado: o
consciencioso mestre-escola (expressão magnífica em todas as línguas que até
mim vem do fundo da infância, desse passado a que se deve ser fiel) tem
dependentes de si inúmeras razões e corações - os alunos e seus múltiplos
destinos – a que se impõe dar indicações de rumo, dar respostas a par de
sugestões que amparem o futuro. Nisto se irmana com o artista, também ele um
companheiro de bordo visado à linha por diversos perigos, quais sejam: a
dispersão dos ritmos quotidianos, o desespero eventual pela descrença na
sociedade circundante, que é frequentemente opressora, muitas vezes desumana,
quase sempre inquietante.
Jacques Tombelle, artista e professor, é pois um homem que vive perigosamente, como sempre vivem os que dão testemunho sincero, os que se afirmam por sobre o que é precário nas suas horas fecundas. Diz no “Zohar, o livro do resplendor” que as palavras não caem no vazio. Nem os desenhos, as cores, as formas, permitir-me-ia acrescentar. Com efeito o artista, sendo um levantador de universos (Pavese), um verdadeiro agrimensor (Ionesco), um “mastigador do mundo” na expressão de Cristóvam Pavia, é igualmente uma consciência viva no meio do aparato do quotidiano inadequado mesmo quando de tal não tem completa noção ou entendimento. Veja-se Balzac, por exemplo, que referia serem os seus romances não mais que um meio para poder pagar dívidas, ou Huysmans que via as suas obras mais como experiência mística. A arte tem em si verdades intrínsecas que reflecte e propõe, para citarmos a expressão de Stendhal.
No que diz parte a Tombelle, este
artista nos seus melhores momentos coloca-nos um curioso problema: como é que
a emoção e a “simplicidade” se podem conciliar com a exactidão? E ainda este
outro: como é que o artista, sem deixar de ser sincero (ou ingénuo, se
preferirem – e recordo que a ingenuidade, para citar Herman Hesse, é em dados
casos um alto valor) pode executar determinadas tarefas picturais e poéticas
nas quais uma dada razão não pode embaraçar-se com o sentimento? Creio que o
artista que nos ocupa o consegue mediante a assumpção de um realismo franco,
indisfarçado mas vigoroso que dá tanto a medida da sua criatividade como a da
sua pessoa cordial e fraterna e o seu apego a posições que, muitas vezes
banalizadas ao nível de um certo discurso alheio, nele conservam inteirinho o
seu poder apelativo: a lealdade, a crença na sensualidade da arte e da
escrita e, também, o desejo de que o futuro seja mais favorável ao Homem,
além da busca do conhecimento e do saber possíveis.
É isto que vejo na arte filha duma intencionalidade e mesmo de uma emoção indisfarçada, perto da terra em que se criou, deste desenhador-colagista pleno de vigor e imaginação, poeta e professor que nos faz participantes interessados. E poderia concluir dizendo que à sua maneira ele está ganhando a aposta que a todos, sejamos pintores ou não, nos move: o desejo humano de mais luz. No fundo, ganhou-a já. E nós com ele.
ns
in catálogo de exposição, Traduzido para francês por André Morais |
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