quinta-feira, 25 de junho de 2020

Sobre Jacques Tombelle




  Ser artista, já se sabe, é um trabalho arriscado – pese às opiniões contrárias e menos avisadas. E isto porque ser artista é algo que se nos impõe, que não escolhemos (pelo menos numa fase anterior) que vive e palpita com a força das evidências e quase sempre nos arrasta, se sabemos ser fiéis à demanda, por caminhos onde pedras e ciladas, se mal nos precatamos, buscam tolher-nos o passo e extinguir-nos a frescura do olhar.

  Ser professor é também arriscado: o consciencioso mestre-escola (expressão magnífica em todas as línguas que até mim vem do fundo da infância, desse passado a que se deve ser fiel) tem dependentes de si inúmeras razões e corações - os alunos e seus múltiplos destinos – a que se impõe dar indicações de rumo, dar respostas a par de sugestões que amparem o futuro. Nisto se irmana com o artista, também ele um companheiro de bordo visado à linha por diversos perigos, quais sejam: a dispersão dos ritmos quotidianos, o desespero eventual pela descrença na sociedade circundante, que é frequentemente opressora, muitas vezes desumana, quase sempre inquietante.
  Jacques Tombelle, artista e professor, é pois um homem que vive perigosamente, como sempre vivem os que dão testemunho sincero, os que se afirmam por sobre o que é precário nas suas horas fecundas.
  Diz no “Zohar, o livro do resplendor” que as palavras não caem no vazio. Nem os desenhos, as cores, as formas, permitir-me-ia acrescentar. Com efeito o artista, sendo um levantador de universos (Pavese), um verdadeiro agrimensor (Ionesco), um “mastigador do mundo” na expressão de Cristóvam Pavia, é igualmente uma consciência viva no meio do aparato do quotidiano inadequado mesmo quando de tal não tem completa noção ou entendimento. Veja-se Balzac, por exemplo, que referia serem os seus romances não mais que um meio para poder pagar dívidas, ou Huysmans que via as suas obras mais como experiência mística. A arte tem em si verdades intrínsecas que reflecte e propõe, para citarmos a expressão de Stendhal.


  No que diz parte a Tombelle, este artista nos seus melhores momentos coloca-nos um curioso problema: como é que a emoção e a “simplicidade” se podem conciliar com a exactidão? E ainda este outro: como é que o artista, sem deixar de ser sincero (ou ingénuo, se preferirem – e recordo que a ingenuidade, para citar Herman Hesse, é em dados casos um alto valor) pode executar determinadas tarefas picturais e poéticas nas quais uma dada razão não pode embaraçar-se com o sentimento? Creio que o artista que nos ocupa o consegue mediante a assumpção de um realismo franco, indisfarçado mas vigoroso que dá tanto a medida da sua criatividade como a da sua pessoa cordial e fraterna e o seu apego a posições que, muitas vezes banalizadas ao nível de um certo discurso alheio, nele conservam inteirinho o seu poder apelativo: a lealdade, a crença na sensualidade da arte e da escrita e, também, o desejo de que o futuro seja mais favorável ao Homem, além da busca do conhecimento e do saber possíveis.

   É isto que vejo na arte filha duma intencionalidade e mesmo de uma emoção indisfarçada, perto da terra em que se criou, deste desenhador-colagista  pleno de vigor e imaginação, poeta e professor que nos faz participantes interessados. E poderia concluir dizendo que à sua maneira ele está ganhando a aposta que a todos, sejamos pintores ou não, nos move: o desejo humano de mais luz. No fundo, ganhou-a já.
    E nós com ele.
                                                                           ns
                                                                                                                                                  
                    in catálogo de exposição,
Traduzido para francês por André Morais

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