quinta-feira, 25 de junho de 2020

Introdução e um poema de Gabriel Chávez Casazola





 Duas palavras

   Conheci Gabriel, o poeta Gabriel Chávez Casazola, homem de diversos mesteres mas todos postos sob o signo da cultura comparticipativa, de doação e de qualidade, em Fortaleza por ocasião da Bienal do Livro do Ceará.
  Senti nele personificadas a cordialidade, a modéstia e uma maneira de ser que raramente tenho encontrado – juntando a alegria a uma lhaneza singular que, no entanto, continha igualmente uma capacidade de se afirmar com tranquila fraternidade.   
  Pelos tempos, e já lá vão vários anos, não se perdeu este contacto e por isso me congratulo.
  Da sua Bolívia mandou-me recados e poemas, sinais que festejei como cumpria.  
  Neles mora o encanto e o respeito pelo seu país, a sua cidadania específica e, no seu contexto próprio, uma altíssima originalidade poética expressa numa escrita que me surpreendeu e me entusiasmou.
  É muito gratificante descobrir-se que uma pessoa que nos suscitou estima, pela sua postura pessoal, ainda por cima é um poeta de excepção. Daí que, de imediato, tivesse enviado o punhado de poemas que me cedeu a um outro amigo, Pedro Sevylla de Juana, com a sugestão de que os traduzisse.
   Acedeu de imediato.
   Como, por vezes, um trabalho a dois é estimulante e faz sentido, tive apenas ensejo de adequar minimamente as traduções ao nosso idioma, no retinto português de Portugal.
   Mas P.S.J. insistiu em que o meu nome figurasse no fim do acervo. E não pude furtar-me a fazer o que a sua caballerosidad ditou.
   Frente a estes poemas, quero endereçar a ambos um agradecimento: a um por os ter escrito, a outro por os ter traduzido.
                                                                                                                              ns


   Traducir es una labor literaria que me interesa como complemento de la  creación. Es necesario entrar  en el texto original muy a fondo; primero como lector y después como escritor. Más aún, cuando lo que se vierte a otro idioma es poesía. En ese caso hay que penetrar en el universo del poeta, hay que calzarse sus zapatos y ponerse su sombrero. Cuando el poeta es Gabriel Chávez, habitante de un mundo propio riquísimo, el trabajo queda compensado por el disfrute de los descubrimientos.  Así que con Gabriel , sucede que, si hay un deudor, el deudor soy yo. 
   Con mi amigo Nicolau, el equilibrio que no acepta por generosidad, se da en la suma de idiomas. Él afina mis textos pasados al portugués; y yo ajusto sus textos vertidos al español.
                                                                                                                               PSdeJ 
 

A canção da sopa

Nos tempos do meu avô as famílias eram grandes
Viviam em grandes casas – grandes ou pequenas, mas grandes,
Inclusive diminutas, mas grandes.

Comiam ao redor de grandes mesas
Mesas fortes, cobertas ou não de toalha comprida
Mas bem assentadas no chão.

Com colheres enormes comiam a sopa
Nos grandes meios-dias. A sopa tirada com grandes conchas de enormes sopeiras.

Reuniam-se juntos depois a ouvir a rádio, a tomar café, a fumar um cigarro
Sem grandes (nem pequenos) cargos de saúde ou de consciência.

A Mamã, bordando às vezes e às vezes tecendo, via sucederem-se os filhos e os netos
Num ininterrupto e grande bordado.

O Papá, a autoridade papá, chegava todas as tardes às 6
Montado num grande automóvel americano ou num grande cavalo ou com um grande estilo
de caminhar

Para passar a noite junto com os filhos e os netos que o tempo não tinha
interrompido,
Salvo aquele em que adoeceu, aquele em que se foi
Deixando um enigma e uma sensação de vazio – uma enorme sensação de vazio
Flutuando, com a fumaça dos cigarros - sobre a sobremesa do jantar.

Às vezes, nesses momentos, o papá, a autoridade papá, deixava de escutar os
sons da rádio e queria estar só consigo mesmo, simplesmente não estar
aí, talvez andar correndo por alguma distante estrada com uma loira parecida
com a mamã quando não era mamã, montado  num grande automóvel americano ou num grande cavalo ou com um grande estilo de caminhar ainda não humilhado pelo tempo.

A mamã por sua vez nalgumas sobremesas sentia um nó na garganta, um nó que depois saía flutuando da sua boca montado num grande suspiro, um enorme nó que se enredava no vapor de sua xícara de café, com umas volutas que lhe roubavam o olhar e a faziam desejar estar sozinha, simplesmente não estar aí, a escutar os prantos dos últimos filhos e dos primeiros netos.

Assim foram os anos, vieram os cafés e os cigarros e um dia a grande casa
foi ficando sozinha, as enormes sopeiras vazias, as colheres mudas de uma
enorme mudez que a filhos e netos nos perseguiu ao longo de milhares de
quilómetros de estrada, de cabo de telefone, de grandes ondas que já não se
medem em quilómetros.

Inclusive aquele em que adoeceu, o primeiro a partir Como cada um que bebeu dessa sopa foi alcançado pela mudez, que se
introduziu no seu peito pela grande boca aberta de um enorme bocejo.

Então
Comprou uma breve sopa instantânea
E entre as suas volutas
Permitiu-se um pequeno pranto.

Não podia comer a sopa. 
No seu diminuto departamento não havia uma só colher, uma só mesa bem
assentada, algo
Que vagamente pudesse parecer-se à felicidade e às suas rotinas.

Então pensou nos tempos do seu avô ou do meu ou do teu, quando as
famílias eram grandes
Viviam em grandes casas – grandes ou pequenas, mas grandes,
Inclusive diminutas, mas grandes
E viam suceder-se os filhos e os netos
Num ininterrupto e grande bordado
Com enormes fios invisíveis abraçando todos no ar.


                                                        Tradução de Pedro Sevylla de Juana
                                                                        Colaboração ns

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