Duas palavras
Conheci Gabriel, o poeta Gabriel Chávez
Casazola, homem de diversos mesteres mas todos postos sob o signo da cultura
comparticipativa, de doação e de qualidade, em Fortaleza por ocasião da Bienal
do Livro do Ceará.
Senti nele personificadas a cordialidade, a
modéstia e uma maneira de ser que raramente tenho encontrado – juntando a
alegria a uma lhaneza singular que, no entanto, continha igualmente uma
capacidade de se afirmar com tranquila fraternidade.
Pelos tempos, e já lá vão vários anos, não se
perdeu este contacto e por isso me congratulo.
Da sua Bolívia mandou-me recados e poemas,
sinais que festejei como cumpria.
Neles mora o encanto e o respeito pelo seu
país, a sua cidadania específica e, no seu contexto próprio, uma altíssima
originalidade poética expressa numa escrita que me surpreendeu e me
entusiasmou.
É muito gratificante descobrir-se que uma
pessoa que nos suscitou estima, pela sua postura pessoal, ainda por cima é um
poeta de excepção. Daí que, de imediato, tivesse enviado o punhado de poemas
que me cedeu a um outro amigo, Pedro Sevylla de Juana, com a sugestão de que os
traduzisse.
Acedeu de imediato.
Como, por vezes, um trabalho a dois é
estimulante e faz sentido, tive apenas ensejo de adequar minimamente as
traduções ao nosso idioma, no retinto português de Portugal.
Mas P.S.J. insistiu em que o meu nome
figurasse no fim do acervo. E não pude furtar-me a fazer o que a sua caballerosidad ditou.
Frente a estes poemas, quero endereçar a
ambos um agradecimento: a um por os ter escrito, a outro por os ter traduzido.
ns
Traducir es una labor literaria que me interesa como complemento de
la creación. Es necesario entrar en el texto original muy a fondo; primero
como lector y después como escritor. Más aún, cuando lo que se vierte a otro
idioma es poesía. En ese caso hay que penetrar en el universo del poeta, hay
que calzarse sus zapatos y ponerse su sombrero. Cuando el poeta es Gabriel
Chávez, habitante de un mundo propio riquísimo, el trabajo queda compensado por
el disfrute de los descubrimientos. Así
que con Gabriel , sucede que, si hay un deudor, el deudor soy yo.
Con
mi amigo Nicolau, el equilibrio que no acepta por generosidad, se da en la suma
de idiomas. Él afina mis textos pasados al portugués; y yo ajusto sus textos
vertidos al español.
PSdeJ
A canção da sopa
Nos tempos do meu avô as famílias
eram grandes
Viviam em grandes casas – grandes
ou pequenas, mas grandes,
Inclusive diminutas, mas grandes.
Comiam ao redor de grandes mesas
Mesas fortes, cobertas ou não de
toalha comprida
Mas bem assentadas no chão.
Com colheres enormes comiam a sopa
Nos grandes meios-dias. A sopa
tirada com grandes conchas de enormes sopeiras.
Reuniam-se juntos depois a ouvir a
rádio, a tomar café, a fumar um cigarro
Sem grandes (nem pequenos) cargos
de saúde ou de consciência.
A Mamã, bordando às vezes e às
vezes tecendo, via sucederem-se os filhos e os netos
Num ininterrupto e grande bordado.
O Papá, a autoridade papá, chegava
todas as tardes às 6
Montado num grande automóvel
americano ou num grande cavalo ou com um grande estilo
de caminhar
Para passar a noite junto com os
filhos e os netos que o tempo não tinha
interrompido,
Salvo aquele em que adoeceu, aquele
em que se foi
Deixando um enigma e uma sensação
de vazio – uma enorme sensação de vazio
Flutuando, com a fumaça dos
cigarros - sobre a sobremesa do jantar.
Às vezes, nesses momentos, o papá,
a autoridade papá, deixava de escutar os
sons da rádio e queria estar só
consigo mesmo, simplesmente não estar
aí, talvez andar correndo por
alguma distante estrada com uma loira parecida
com a mamã quando não era mamã,
montado num grande automóvel americano
ou num grande cavalo ou com um grande estilo de caminhar ainda não humilhado
pelo tempo.
A mamã por sua vez nalgumas
sobremesas sentia um nó na garganta, um nó que depois saía flutuando da sua
boca montado num grande suspiro, um enorme nó que se enredava no vapor de sua
xícara de café, com umas volutas que lhe roubavam o olhar e a faziam desejar
estar sozinha, simplesmente não estar aí, a escutar os prantos dos últimos
filhos e dos primeiros netos.
Assim foram os anos, vieram os
cafés e os cigarros e um dia a grande casa
foi ficando sozinha, as enormes
sopeiras vazias, as colheres mudas de uma
enorme mudez que a filhos e netos
nos perseguiu ao longo de milhares de
quilómetros de estrada, de cabo de
telefone, de grandes ondas que já não se
medem em quilómetros.
Inclusive aquele em que adoeceu, o
primeiro a partir Como cada um que bebeu dessa sopa foi alcançado pela mudez,
que se
introduziu no seu peito pela grande
boca aberta de um enorme bocejo.
Então
Comprou uma breve sopa instantânea
E entre as suas volutas
Permitiu-se um pequeno pranto.
Não podia comer a sopa.
No seu diminuto departamento não
havia uma só colher, uma só mesa bem
assentada, algo
Que vagamente pudesse parecer-se à
felicidade e às suas rotinas.
Então pensou nos tempos do seu avô
ou do meu ou do teu, quando as
famílias eram grandes
Viviam em grandes casas – grandes
ou pequenas, mas grandes,
Inclusive diminutas, mas grandes
E viam suceder-se os filhos e os
netos
Num ininterrupto e grande bordado
Com enormes fios invisíveis
abraçando todos no ar.
Tradução de Pedro Sevylla de Juana
Colaboração ns
hermoso poema, hermosa traducción..
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