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O RAPOSINHO
O raposinho morto, de olhar
vidrado.
As patinhas cruzadas,
suplicantes.
Na carroça, sob a rede presos,
para os cães essa recompensa.
No largo da aldeia, os vizinhos
acorrem
sob o macio azul de novembro,
na manhã de domingo, mole e
palpitante.
O garoto estica a mão, puxa o
farto rabo alçado, morto.
Larga e cai, com seu peso
morto. Ri o garoto
Chora o raposinho morto, quieto
e calmo,
olhando com o olho morto
para o imenso longe. Dispersam
os vizinhos,
não muito contentes, não muito
tristes, entra
o caçador na taberna, de
consciência serena.
Ficam sós os cães, vivos e
presos, e o zorro
livre e solto, de patinha
cruzada,
suplicante.
O CÃO DE DEUS
para o amigo
que não reconheceu o Tao neste cão perneta
Que analfabeto o
cachorrinho negro de coleira ao pescoço!
Tem três patas apenas disponíveis,
marcha a pé cochinho,
algum condutor bêbedo lhe estraçalhou
uma das patinhas dianteiras.
No chão de pedra do pacato restaurante
provinciano,
arrasta-se penosamente e olha ansioso
migalhas e restos dos convivas
– e nada vem.
Eis que um dos felizes contemplados do
banquete
olha nos olhos o cachorrinho trôpego, e
do seu prato repleto onde apena
restam ossos
lhe oferece o esplendor dos restos
e ele, o analfabeto, o burro
cachorrinho,
obtuso e ansioso no seu olhar divino
encurralado,
eis que o cachorrinho, avassalado de
temor e tremor,
amedrontado,
na genética cromossomática memória
relembrando os pontapés ancestrais,
se esgueira e hesita,
por forças antagónicas dilacerado.
E ei-lo que vem, trôpego, a pé cochinho,
ei-lo que se aproxima e ganha um
ou dois ossos
do pobre borrego há pouco ainda vivo e a
ossos agora reduzido.
Os avaros restos do borrego, escassos,
penetram agora no estômago acidulado do
cão perneta.
Mas sobra ainda um osso, o melhor
bocado,
e tu, divino cachorrinho, com teus olhos
líquidos de buda,
manso e sábio,
amedrontado,
tu burro e estúpido,
tu cachorrinho, com os coices do humano
couro na ancestral memória,
tu hesitas,
e eis que chega o criado, aliás patrão,
e solícito e limpo,
os restos e a travessa recolhe,
e tu cachorrinho trôpego analfabeto,
a ganir ficas tu, privado do mais
suculento osso,
quem diria, tu cachorro, tu Deus
escondido
que nos teus olhos líquidos
brilha de manso cachorrinho
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