segunda-feira, 27 de março de 2023

José do Carmo Francisco, Postal nº 1 para Ana Isabel

 

Ontem vi o teu olhar duas vezes e lembrei os cauteleiros do meu tempo de menino - «Há horas de sorte!» A primeira foi de manhã e julguei ver na tua luz as buganvílias da minha filha Marta e os pneus de brincar do meu neto António no recreio do Jardim Infantil. Depois do almoço penso que vi de novo o teu olhar mas não o garanto pois pode ter sido a tua irmã gémea. À noite, «hora de sorte», era na TV o esplendor da vitória em Londres sobre o Arsenal, líder do Campeonato Inglês. Em 21 de Outubro de 1981 em Southampton o Sporting Clube de Portugal venceu o Clube da cidade por 4-2. Era também líder do seu Campeonato e tinha um jogador temido na Europa – Kevin Keegan. Jordão abriu a contagem aos 2 minutos e Manuel Fernandes fechou a mesma ao 88. Pelo meio outro golo do capitão aos 42 e um golo de Holmes na própria baliza aos 21. Em Portugal quase ninguém viu esse jogo; o videotape foi guardado na gaveta dum patrulheiro desportivo da RTP porque foi a primeira vez que uma equipa portuguesa venceu um conjunto inglês em Inglaterra e o ex-aluno da Universidade da Rabicha escondeu essas imagens, para ele insuportáveis. Em 1962 já havia muitos trabalhadores rurais na Estremadura que, de enxada ao ombro, pelo fim da tarde, diziam à porta dos poucos cafés desse tempo «Caluda, tá a dar a marcha do Benfica!» mas era, na verdade, o Hino da Eurovisão. Hoje é tudo diferente de 1981: já ninguém pode esconder os videotapes porque eles fazem parte apenas da memória magoada de quem, como eu, não esquece nem perdoa. Alguns desses ainda resistem e taparam com tinta preta a caricatura de um treinador na parede da Universidade da Rabicha.


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