Fernando Aguiar
Tenho um gosto pronunciado pelos provérbios e
as citações.
Os provérbios porque, independentemente da
sua justeza, por vezes são pérolas de fantasia verbal; as citações porque
correspondem a momentos excepcionais no espírito dos autores das frases, quando
a mente, em fase ascendente e profundidade fecunda, traça girândolas que jamais
se apagam.
Além disso, ambos são úteis. Os primeiros
servem muito bem para nos acautelar o dia-a-dia, tornando-nos mais atentos às
eventuais ciladas; os segundos, além de serem uma homenagem reconhecida a quem
as pronunciou ou escreveu, dão sempre sinal sonoro que ilumina tudo em torno.
Assim, por exemplo, quando um político astuto
e cheio de ronha vem prometer mundos e fundos, tirando o pigarro uma pessoa
pode responder-lhe parafraseando Churchill: " Pois... Como se eu não
soubesse que a política é a arte de ajudar o público a não tratar dos
assuntos que lhe interessam...". E, se um malacueco qualquer até nós vem
com falinhas mansas para nos interessar num negócio chorudo e de mão-beijada,
podemos raciocinar: "Tá bem, deixa...Como se eu não soubesse que não dá
o frade do que bem lhe sabe!". Se alguém se queixa de que, num
estabelecimento, comprou um produto bom e barato, desses que a preclara televisão nos mete pelos lúzios adentro e que a breve trecho pifou, pode pensar
com equilíbrio: "Fui um saloio... Então não sabia eu que as pechinchas
dão em requinchas?". E, ao saber que num determinado serviço público
certos funcionários andaram a lesar o contribuinte mediante actos de pequena ou
grande corrupção, abafados pelos superiores factuais, pode comentar com
filosofia: "Os javardos, na lama, são donos como el-Rei no
Paço...". E a alguém que se admire de que num areópago os
representantes populares passem o tempo a bulhar por dez réis de mel coado,
esquecendo os interesses da nação, pode responder-se com sensatez: "Deixe
lá... Se se pusessem de acordo é que se calhar era mau. Pois não sabe o meu
amigo que quando os barões se abraçam quem leva as pauladas é o servo?".
Espanta-se uma pessoa porque os inquéritos sobre os casos das contas de… e das
luvas de... demoram a deslindar-se? É referir-se-lhe, com bonomia: "Tenha
lá tento! Então nunca ouviu dizer que a roupa suja deve ser lavada em família?".
E ao fabiano que comente o ar patibular de certas figuras públicas, pode
esclarecer-se sensatamente, a exemplo de Oscar Wilde: "Note, meu caro,
que cada sujeito tem a cara que merece. Aliás, a partir dos trinta anos cada um
é responsável pela cara que tem...". Vem um tipinho, muito moralista,
metido na sua indumentária a dar conselhos à gente, pela televisão e pela
rádio, alertando-nos para a nossa falta de contenção na fala e para o nosso
amor ao mundo, ao dianho e à carne? É repontar-se-lhe de pronto: "Sim,
sim...Bem prega frei Tomás". Ou, como escreveu um dia Benjamin Péret,
"Quando eu tinha 20 anos, os espertalhaços avisavam-me: vais ver quando
tiveres 40 anos! Tenho 40 anos - não vi nada...".
Pela minha parte, digo que embora os ditames
e as citações sejam inúteis para ultrapassar certas situações de facto (vejam,
por exemplo, se é possível acabar com o abuso de poder de certos donos dos
grandes dinheiros com um provérbio jogado à cabeça do argentário) o que não
admira pois lá reza o ditado sobre o trinta-e-um de boca, e sabe-se que cantar
é bonito mas não enche barriga, serei sempre apreciador de tão concisos
conceitos.
Bom, mas calo-me já para não correr o risco
de algum leitor mais afoito me dizer fique-se com a sua sabença que eu
fico-me com a minha mantença ou, pior ainda, vozes de jerico não chegam
ao firmamento.
E não me assistiria, está de ver, o direito
de responder com uma parelha de coices, como fazem certas coléricas personagens
que, por nosso azar, transitoriamente nos tratam do quotidiano...
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