segunda-feira, 31 de outubro de 2022

José do Carmo Francisco, Primeira pessoa do singular

 


Javier Pagola



A empregada do senhor Alexandre Herculano


A primeira vez que ouvi falar no tenebroso «sistema cultural português» foi em Janeiro de 1981 quando José Palla e Carmo, poeta, tradutor e crítico literário, meu colega do Departamento Operacional de Estrangeiro do Banco Português do Atlântico em Lisboa disse a propósito do meu livro «Iniciais»: «Tu ganhaste um prémio dado por um júri de alto nível mas olha que quando o teu livro sair muita gente vai dizer – Vamos lá ver se isto vale alguma coisa apesar de ter ganho um prémio». Nessa altura eu estava ainda um bocado verde para essas coisas, tinha começado a publicar livros colectivos em 1971 e colaborava no «Diário Popular» desde 1978. Mais tarde percebi melhor. O jornalista Orlando Neves contou-me que ouviu a Carvalhão Duarte, director do velho jornal «República» a história da empregada do historiador Alexandre Herculano na quinta da Azóia de Baixo. Alguém lhe perguntou lá por 1915 como era o patrão no seu quotidiano. A resposta da senhora foi assim: «Era boa pessoa mas um mandrião; passava o dia a ler e a escrever!» Ora o sistema cultural é como as moedas – tem duas faces, tem sempre duas faces. O outro lado desta questão é que foi com os direitos de autor da sua «História de Portugal» que Alexandre Herculano comprou a quinta na Azóia de Baixo, perto da Santarém. Por isso deve-se pensar duas vezes pois (como diz o lugar comum) nem tanto ao mar nem tanto à terra. Somos um país pequeno e pobre mas as coisas não são simples. Nunca são simples. Muito menos no sistema cultural português onde há de tudo como na botica. Ou na farmácia, já agora. Os médicos já não escrevem na receita «faça segundo a arte» pois já ninguém faz os manipulados.


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