terça-feira, 21 de junho de 2022

Na morte de João Rui de Sousa

 


João Rui de Sousa (12-10-1928 / 17-6-2022)


Os poetas não morrem porque aquilo a que alguns chamam morte é apenas registo civil, nada mais. Num país que conhece Camões pelo olho perdido, Bocage pelas anedotas e Bulhão Pato pelas amêijoas, é tudo relativo, embora de modo absoluto.

João Rui de Sousa estudou agricultura (Curso médio) na Escola Dom Dinis na Paiã (Pontinha). Mais tarde licenciou-se em História e Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Estreou-se em 1955 com poemas e um ensaio na Revista «Cassiopeia» ao lado de António Carlos, António Ramos Rosa, José Bento e José Terra.

Tem colaborado em importantes jornais e revistas literárias e tem poemas seus em diversas antologias e volumes colectivos. Publicou estudos sobre as obras poéticas de Adolfo Casais Monteiro, Eugénio de Andrade, José Carlos Gonzalez, Jorge de Sena, Fernando Pessoa e Mário Saa.

Publicou (entre outros) os seguintes livros: «Circulação» (1960), «A hipérbole na cidade» (1060) «A habitação dos dias» (1962) «Meditação em Samos» (1970), «Corpo Terrestre» (1972), «O fogo repartido» (1983), «Palavra azul e quando» (1991), «Enquanto a noite, a folhagem» (1991), «Sonetos de cogitação e êxtase» (1994), «Obstinação do corpo» (1996), «Respirara pela água» (1998), «Concisa instrução aos nautas» (1999) «Os percursos, as estações» (2000), «Obra poética 1960-2000» (2002), «Lavra e pousio» (2005) e «Quarteto para as próximas chuvas» (2008).

Do livro «Respirare attraverso l´acquq» organizado por António Fournier e Alessandro Granata Seixas (Edizioni dell´Orso) citamos dois poemas: primeiro «Agricultura» do livro «Corpo terrestre» (1972): «É preciso recolher as vagens/e dispô-las no chão./ É preciso beijar as plantas/ou cortá-las ao meio. /E ter sempre uma enxada/uma discreta atenção. /ao silêncio da terra/ao calor das abelhas. /Roubar à seara limpa/a planta podre. /e queimar essa planta/em eira aberta. /É preciso a visita do sol/o diálogo da chuva. /É preciso a vertigem da esperança/e esperar com amor. /Descobrir – mais tarde - /a volúpia da rega. /E ser o último a abandonar o campo». O segundo é um excerto do poema inédito até 2014 «Em louvor de Giacomo Leopardi»: «Que significa a vida? Para que serve/ o esforço, a luta, a esperança. O gesto/de desprezo ou de amizade, o estar/ em palco só para que outros vejam/algum possível brilho ou mesmo um escorrer/de oculta petulância, a esconder fraquezas/(que são tantas) da nossa compleição/ tão frágil?»

José do Carmo Francisco    

 

Um adeus alentejano

   Foi com alguma surpresa e absoluta emoção que recebi, de José do Carmo Francisco, a triste notícia do falecimento do poeta e amigo de quem, reiteradamente e através do tempo, recebi diversas manifestações de apreço fraternal – ora através de conversas amenas veiculadas pelo telefone, ora em directo e de viva voz quando em deslocações minhas a Lisboa nos encontrávamos no Café da nossa preferência.

  Foi ele quem me apresentou aos leitores na minha primeira aparição em volume, no caso a antologia “Sete poetas portugueses contemporâneos” editada pela Átrio do comum confrade e amigo José Manuel Capêlo, tendo tido a meu respeito palavras escritas que não me esquecem. Depois, já em voo de cruzeiro - no meu terceiro livro “Os olhares perdidos” – foi ele quem fez a Introdução, perspicaz e competente dada a sua qualidade como ensaísta.

   E colaborou sempre generosamente nas iniciativas em que me cifrei, ou sejam o “Suplemento Cultural” que eu orientava no “Notícias de Elvas ou o “Fanal”, que co-coordenei no “O Distrito de Portalegre”.

   Notável poeta, ensaísta de fina água, crítico arguto e companheiro extremamente afável, relembro-o com saudade agora que partiu com a bela idade de 94 anos. O “velho” abraço, caríssimo confrade João Rui de Sousa!

nicolau saião


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