quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Dois poemas de Floriano Martins

 




TRATADOS DA SOMBRA

 

3. O que discute sempre o poema é a ideia

da personalidade. Somos gloriosos na paródia

de nossos próprios atos. Será este o progresso

da consciência? Há uma grave teia de anomalias

que se fia na expressão dos dias. Whitman

dilacerado por sua humanidade, Bataille deslocado

por seu riso solto. Quais os antecedentes

conjurados da dor, as sombras pronunciadas

por suas visões? À luz particular de cada

cena as ideias são sempre distintas. O poema

não repercute senão o material de sua memória.

Desconfia do homem quando se recusa a criar.

Ressurgem as formas da dor de sua metafísica:

– "muda-me a cada toque o tolo que sou em ti".

 

 

4. O poeta cai de suas metáforas. Ensaiamos

o enigma comum de situação e lugar, porém

não suportamos o peso das coisas que em nós

se preparam. Sempre ignoramos o espetáculo

de nossas ruínas, distinto cenário onde atua

o homem como o verme da própria espécie.

Ainda que se renove o poeta com suas perdas,

resta um raminho ausente, uma corda, uma visão

da beleza, uma ilusão do ser, algo que torna

incessante a queda e o poema um código de falhas.

Na cena que se retrata, o mesmo súbito relâmpago:

– "O que fiz de ti?" – Livro decomposto

em repetições. Hamlet encharcado de ilusões.

Haverá sempre algo ali, impossível de se seguir.


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