Canção do pescador
As redes tenho-as eu cheias
(mas as mãos estão vazias)
Que as redes são do meu amo
e as mãos são minhas.
Que deserto estava o mar
debaixo do anoitecer!
Com o seu suor o enchem
os que no mar vão morrer.
E que escuro estava o campo
hoje pela madrugada!
Com estas mãos chamaremos
toda a luz da alvorada.
Quando terás tu a terra
e o mar por pão?
Tuas as barcas e as redes
firmes na mão?
Poema
As árvores contemplam-me; os pirilampos
dissimulam a luz
quando caminho
e o murmúrio inocente do regato
exprime-se a meia voz e esconde-me algo.
Os vastos pedregais, o fugitivo
espírito do vento, tudo
transforma o seu tamanho, tudo
se transfigura quando passo
- na mão que me denuncia
na voz que me assinala.
Já o sabem
os que açulam os cães, os que preparam
o meu pescoço para o laço de mil nós.
E na forja o ferreiro põe à prova
contra mim a sua arte…os vagarosos muros…
o poço aonde um ciclope invisível
vigiará os meus gestos encadeados…
Porque no fundo obscuro do espelho
não vi só o meu rosto ao desnudar-se
quando à noite me olhei;
nele não estavam só
o meu golpe de garra e o seu uivo de gozo
a deleitar-se co’a intriga: um olhar de susto
recordo que também ali havia
e uma rápida fuga
que me cobriu de quartzo…
E me cravou esta lápide no peito.
de “O uivo do lobisomem”

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