Para nós,
amantes da Literatura Policial, a América tem sido o país das mil-e-uma-noites:
nela brotaram flores de mistério e de maravilhoso, de mágoa e de tragédia
através dos dias e dos anos, plantadas por escritores e visionários como Edgar
Alan Poe, H.P.Lovecraft, Dashiel Hammett, August Derleth, Raymond Chandler,
Charles Williams, William Faulkner, Melville Davison Post e tantos outros.
A América
atravessámo-la nós com os vagabundos de Frank Gruber, com os “road runners” de
W.R.Burnett. Contemplámos as vertentes do Ohio e os arranha-céus de Nova Iorque
e Chicago até às montanhas do Colorado e aos desertos do Arizona e do Novo
México com Bill Ballinger, Hammond Hines, Burt Spicer e Jim Thompson.
Excursionámos pelas vilórias e pelas pequenas cidades do Midlle West com Ellery
Queen e Ray Bradbury, perdêmo-nos nas alfurjas dos portos e nos “fumoirs” de
Chinatown e da Bowery com Craig Rice, Thomas Burke e um certo chinês filósofo
de bigode a quem chamavam Charlie Chan e que estava ali de passagem vindo da
sua ensolarada Honolulu.
Numa certa noite
de neve, sob a lua da Carolina do Norte, ouvimos tiros na estrada deserta por
onde minutos antes haviam passado Bruce Robinson e Jonatham Latimer, que nos
esclareceram o enredo.
Amámos e
padecemos em quartos e em caves, de mãos atadas atrás das costas pelos
“gangsters” de serviço. E fomos salvos “in
extremis”, com o fato rasgado e o nariz deitado abaixo, por um tal Mickey
Spillane e pelo seu amigo dilecto Mike Hammer. A iluminação brotou-nos da mente
num momento de sagacidade perpetrada por um fulano que atendia pelo nome de
Philip Marlowe. E foi homem a homem que derrotámos o mafioso crápula pseudo
político que nos envinagrava o quotidiano, devido aos sábios ensinamentos dum
tipo chamado Continental Op, em escaramuça devastadora numa viela do Bronx.
De manhãzinha,
com o nosso elegante fato cinzento de discreta risca azulada, entrámos num
palacete onde um ancião atormentado pela nostalgia nos pediu auxílio para
encontrar o genro e fomos catrapiscados por uma “mulher fatal” que nos lançou
na senda da aventura. De outra vez, acompanhando um sofisticado cavalheiro
conhecedor de arte assíria e etrusca que nos disse chamar-se Philo Vance,
tivemos a dita de nos introduzirmos nos ricos salões de Nova Inglaterra e de Manhattan
e, em troca, de juntura com um tal Humphrey Bogart, levámo-lo até aos confins
do Colorado, até à High Sierra, e aprendêmos a beber uns valentes “bourbons” sem ficarmos caídos de caixão
à cova.
Com um jurista
desembaraçado que nos disse apelidar-se Perry Mason, jornadeámos pelas artérias
de Los Angeles e pelos desertos da Califórnia em busca de assassinos nefandos.
Ouvimos muitas
vezes o bramir dos ventos, sentimos na pele o negrume das noites e a chicotada
da chuva inclemente, enquanto – dissimulados a uma esquina, com a gola da
clássica gabardina levantada – esperávamos a chegada dum companheiro empregado
na mesma agência que se chamava Caution, Lemmy Caution e que era pai dum tal
James Bond.
Tudo isto
sentímos nessa América onde havia e há problemas e conflitos não resolvidos,
mas onde também sempre houve esperança e alegria devido a umas coisinhas
simples, mas espantosamente importantes, que dão pelo nome de liberdade de
palavra, de reunião, de pensamento e da sua divulgação não obrigada a mote,
como sucede hoje em muitos sítios supostamente civilizados.
E agora que se
tornou moda ou característica pôr-se sistematicamente em equação essa América
(toda a América?!) como símbolo do mal e da desgraça - principalmente para se
sentir melhor a nostalgia dum Leste implodido e de novos bárbaros a quem se
santifica como mártires - lembremo-nos de todos os mosaicos intemporais que ela
criou através de membros humildes ou repletos de cultura viva que, hoje por
hoje e amanhã por amanhã, se calhar só serão epigrafados e em altas vozes se,
de novo, tiverem de dar a vida como em 39-45 para continuarmos a desfrutar de
um pouco de futuro possível.
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