segunda-feira, 1 de março de 2021

Três poemas de António Luís Moita

 

ARIANA

                                       ao Abel Teixeira

                       

Do pouco ou nada feito não revelo

qual o passo que dei ou que vou dar.

Do enxofre e mercúrio digo apenas

que se mordem, que mútuos se contêm,

que todo o sal é lágrima de Maio.

 

Poderei dizer mais: que o fogo é lento

e húmida é a via. A seca, não.

(Nunca o rápido amor me dá contento.

Nem há cultura fácil, fácil vento.

Qualquer trigo veloz sabe a traição).

 

Digo ainda, da via, que são sete

as águas deste denso e longo mar.

Ao terceiro degrau já se promete

o peixe que prateia, a crepitar.

São porém as sereias. Não cardume.

O verdadeiro peixe – que é de lume –

a seu tempo virá, mas devagar.

 

Primeiro, há-de toldar-se em nevoeiro

o velo, vinte vezes (só morrendo

vinte vezes terríveis se renasce).

Entretanto, uma aberta: o arco-íris.

Depois, de novo, a noite, a fermentar-se.

 

Haverá, de manhã, menos indício

na espuma da maré, no barco estreito,

do que nos olhos puros de quem vê,

ou antes, adivinha.

 

- Tu,  que me segues, crê:

No ovo luz a vinha!

 

FULCANELLI

 

Ao microscópio, gotas de cristal.

Á vista desarmada, pó vermelho.

Uma pitada leve, como o sal,

um fervilhar – e eis prata o que era estanho.

 

Só que da mão depende o bem que tenho,

o gesto firme, próprio, sem o qual

teria tudo apenas o tamanho

que tem, antes da luz, a catedral.

 

Assoprador? Adepto? Não sei bem…

Sei que todo me dou, que nada espero,

que por amor somente transmutei

na semente mais viva o vil minério.

 

Prata quis. Prata fiz. Ouro farei

mordendo as águas turvas do mistério.

 

MANSÃO FILOSOFAL

 

Erguem-se os dedos. Crispam-se no todo.

Mas algo falta para o todo ser.

Algo que mora num dedal de fogo,

nessa palavra que não sei dizer

 

mas salta certa, célere, no sopro

irreprimível que de Urano vem

dar de repente vida nova ao corpo,

ceder razão ao que razão não tem.

 

É o dédalo negro, o labirinto,

a chave justa para libertar

no firmamento a névoa do que sinto.

 

Mas é também oráculo. O olhar.

O ver, sem fim, distinto, o indistinto

no desfazer da pedra tumular.

 

                                             in “CIDADE SEM TEMPO”


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