segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Um poema de Marcel Delpach

 

SENTADINHO, PENTEADINHO


Uma cara azul, pálida, ou se calhar

apenas amarela, triste talvez como o som dos aviões que

passavam  bolas de luz  pode dizer-se assim  O que

amava nesses tempos  Olha dizia a Júlia  os figos o

       pardal a calhandra  Olha. E o carro passava na

estrada um touro luminoso desconhecido   o calor do

       Verão e a noite rasgada enorme   Mas ao longe

Uma escuridão dentro   um corpo redondo um soluço

   sentadinho penteadinho    As borboletas paradas no

castanho daquele olhar   Fica tão feio

    o tempo a chuva sobre as árvores   a casa escura

                                 e depois   sempre sempre a vinha

    sentadinho, penteadinho  A criança que deitei à

                                  terra como semente como pó

de pedra. E assim é que era   o bom   pálido  amarelo

     assustava-se um pouco   era um besouro entre

                                   paredes de coelheira   de sementes

      as mãos firmes finas   mãos de antiga colhedora de

                 camomila. O burro com ar de bom rapaz. Os

dois andando dentro do túnel o pé do mais pequeno

       batendo arrastando   pálido amarelo   o escuro do

pai ressoando ressoando  sentadinho, penteadinho  não

antes não depois   Um apelo sobre túneis    sobre

 

silhuetas sobre caras   memórias acrescentadas   azuis de

      noites   e  num ruído   o mundo.

Fica tão feio   Como saber   como de que maneira um

                       negrume medroso

um negrume perto perto   Anos de viva camomila   as

                           plantas têm outra memória ainda que

sentadinho penteadinho. Encantador o verde verde  o

escuro do peixe morto  e

da pedra da água   do esquecido sol

e voava esvoaçava   as camionetas    ruas   os tapumes

                 sobre um soluço   pálida  pálida colhedora

de pais   de um gole de vinho   de uma só estrela

          amarela andando voando no Verão rasgado   na noite

azul   na noite dia

penteadinho sentadinho. Fica tão feio disforme. Criança

                  de chão ressoante de olhos e mãos viajando em

fundo encanto mas   as mãos   as cidades do amor   molhadas

a maravilha amarela folhas cobrindo-lhe   a água descoberta.

           A água do pai   a pedra do peixe vivo   As

mãos   coisas da noite  no teu olhar um túnel   entre

                    paredes. As maçãs luminosas. Sons ardendo no

tempo da tarde. Sentadinho. Penteadinho. E a sombra

                                                                 toda  nos taludes

e os homens os homens imensos e de súbito de repente

o verde da chuva

 

o pai a mãe o túnel   o pé batendo ressoando   tão belo

na noite amarela   na mão disforme   no Verão   na porta

                                         do peixe escuro.

 

(trad. de ns)

                                           *  

 

Marcel Delpach nasceu em 1970 em Créteil, Paris. Poemas dispersos em jornais e revistas. Editou depois “Vacances”, livro em verso e prosa. Exerce a profissão de analista num laboratório.


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