quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Poemas de Floriano Martins


O banho das modelos


Nudez roubada da noite mais escura.

A quais espaços naufragados pertencemos?

Negras cabeleiras tomadas pelo banho.

Jazem as juras de amor como uma queda de si mesmas.

"Cuido da inocência de meu amo" – orgulhava-se

a pobre Lais a uma amiga entre bálsamos.

"Desce sobre mim seu corpo como o sonho de um deus",

dizia Timandra, enferma de sua paixão.

"Não vejo outro verso que não seja seu ardor", chegou

a escrever Calisto, cujo corpo jamais foi localizado.

A bela Eufrosina bebia tanto quanto Dylan Thomas.

"Onde estamos, minha alma, se não acendo

a gramática da volúpia?" Sabe-se que chorava muito

no banho com suas criadas.

Sínope em silêncio sofria

suas dores secretas como um pressentimento.

Morta no desespero do fogo, seu corpo desfigurado

gelava a noite. Lívia foi descrita

como uma mulher de inteligência invejável,

não bastasse a perfeição de seu colo que despertara o interesse de inúmeros pintores.

Quais os sacrifícios da beleza? O crime assemelha-se a uma visão ininterrupta.

Passamos pelo banho das jovens cortesãs, afeitas a uma geometria do amor. Com suas cores essas mulheres contemplavam algo mais do que fábula ou parábola. Dilatavam toda a simetria reinante no corpo de seus amantes. Foram o bulício de trevas mesmo em almas afeitas à quietude. Cobertas de crimes, jamais deram sepultura a seus profundos ventres que abrigaram os equívocos da aventura humana.

 

 

 

Em qualquer momento revela-se tua queda,

seja na máscara da volúpia, no desânimo

de certas horas guardadas longe de si ou…

Desfigura-se a eternidade em tuas imagens.

Acesso de excessos ao redor da mesma dor.

Há haveres infernais? Suspeita o poeta de

que seus versos expõem o revés de toda moral?

Os amores de Catulo, os tiros de Rimbaud.

A poesia recolhe o ressoar de suas sombras.

Partilha consigo as indomáveis contradições

que elegeram as cortesãs por seus mistérios.

A fidelidade ao prazer leva consigo o tormento

tanto quanto a eternidade ama o instante.


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