quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Dois artistas contemporâneos


ANDRÉS NAGEL, EM RELEVO


   Os resíduos preocupam visivelmente Andrés Nagel (Andrés Nagel Tejada,1947). Trata-se de vestígios ou de novas propostas de coisas (latas vazias, escovas partidas, invólucros rasgados, lâmpadas fundidas, trapos velhos e manchados)? As suas cores, contudo, são como sinais de explosões, estranhos obuses coloridos atirados para o espaço. E, na organização do gatafunho, abrem-se janelas para o mais além.

 

 

    Definitivamente, Nagel procura devolver a dignidade ao detrito, mas algo há lá por dentro que o suscita e impele. Ou, então, que o impede de assentar as suas barreiras ou as suas frestas pessoais em ordem a fazer passar sobre as flores do mundo um vento devastador. Como é que se organiza a existência, será por bruscos arranques ou tudo se processa num muito certo e seguro caminho de deuses? A interrogação está aí e não nos descansa nada. As pirâmides de Yucatan ou de Tal-el-Amarna, os monólitos de Cuzco e de Gessen só por excesso respondem a esta interrogação crucial. Uns à escala do grande e, no relativamente pequeno a pintura, o desenho e a escultura, afinal, buscam na sua dimensão, mas por outro continente, o mistério que subjaz à pedra, ao tijolo e, no registo do artista, ao cartão e ao contraplacado.



      Andrés Nagel creio que tenta, ao seu modo muito pessoal, reparar as muralhas derruídas desta solitária fortaleza em que se transformou o espírito humano. Se o faz com tubos de tinta ou com objectos mais apropriados a uma arqueologia futura é algo irrelevante. Ou antes, emendo, talvez seja fundamental porque desta soma de indecisões (ou de buscas intensas) parte porventura - e entre o lixo do tempo – um grito cuja assimetria, se não tem a ver com outras escritas pensadas, tem todavia muitíssimo a ver com a descoberta do drama em que todos nós estamos mergulhados.       



MANOLO RUBANO E OS JARDINS SUSPENSOS


    É por dentro do artista que tudo existe com mais intensidade: cidades e gentes, os grandes impulsos que fazem aparecer e desaparecer os astros e as coisas. Por isso, a mão do pintor é uma sombra que entre as casas e as árvores tenta seguir a trajectória do seu sonho, uma vez que a realidade existe em vários planos seccionados, como se fosse uma sequência de fotografias  deslocadas ao longo do quotidiano mas vistas de diversas perspectivas.



     Criado por tios almocreves, Manolo Rubano (Manuel Rubano y Rocablanca, 1972) aprendeu as vivências de um mundo outro, de um mundo penetrado por ritmos não-habituais, suscitadores de um olhar diferente, mutável e especioso. Talvez por isso, se assim me exprimo, os ruídos de diferentes lugares também aparecem frequentemente nos seus quadros: o som de um carro ao longe, apitos de barcos em tardes e manhãs ausentes e esquecidas, as vozes ofertadas de transeunte para transeunte enquanto os minutos se escoam – todos eles sugeridos pela magia das tonalidades que se completam. E o passado comparece também em certos momentos de nostalgia ou de mágoa, com as suas impossibilidades e as suas memórias. Um rasto fragmentado, na verdade, como forma de interrogação aos deuses do tempo.

    Artista ligado ao acto de fazer, de manufacturar espécies diversas do espaço plástico, expande-se igualmente na escultura – nos objectos, como ele gosta de lhes chamar por temperamento – este artista que navega na figura do dia-a-dia; aqui e acolá, uma frase lida num livro de outrora ou num caderno já só vivendo na recordação.



   E as presenças enevoadas de palavras aprendidas através dos anos, ao sabor das viagens, entre a alegria e a inquietação. Ou seja: cores, cores e formas plásticas entrando em nós, saindo de nós, calmas e ardentes de sugestão e de procura. Assim como se tudo fosse um jardim encantado dos tempos da nossa infância.

   Utilizando o pincel, o guache, o lápis de cor e a tinta-china, na tela e no papel, Manolo Rubano busca que o mistério do mundo apareça e se configure como se a Natureza se desvelasse.

    Ele, à guisa de pesquisador ou de investigador do espírito, pega neste ou naquele indício, neste ou naquele pequeno facto e relaciona-os entre si. Para melhor os conhecer, para melhor lhes dar o seu verdadeiro rosto de serenas evidências. Como um demiurgo, como um simples ser que sabe que os traços que pomos nos quadros são como que o mapa da caminhada entre os múltiplos continentes da nossa vida.

                                                                                     ns


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