Nicolau Saião, Sem título
O parente
A senhora Beaumont, Mélanie Beaumont de sua
graça, todos os sábados de manhã se deslocava a ouvir missa em Saint Sulpice.
Gostava da igrejinha, do jardinzito próximo e do mercado mesmo ao pé onde
frequentemente se abastecia para a semana. Comprava endívias, laranjas de todo
o ano, rabanetes de que era particularmente gulosa, peixe e alguma carne.
Flores da época, se era tempo delas umas cerejas, rabanadas e bolo-dôce. A senhora Beaumont, que era uma alma cândida,
usava no tempo frio um casaco castanho claro a condizer com o seu cabelo
cuidadosamente pintado – embirrava com as brancas e perdoava-se esta faceirice
– e um lenço de cabeça às pintinhas discretas que lhe ficava muito bem. A
senhora Ricot, a vendedeira de verduras, via-se mesmo que lhe tinha alguma
inveja.
Naquele sábado a senhora Beaumont sentia uma
pequenina pontada no peito. As coisas, desde as árvores aos automóveis, parece
que estavam assim como que enevoadas, fluidas e até julgara distinguir um
buçozinho sob o nariz da menina Sabine, que era loira e roliça, com os seus
braços clarinhos mexendo-se daqui para ali a pesar o peixe e a fazer os trocos.
Foi quando abandonava o mercadinho e ia já
virar para a rua Lambert, direitinha a casa, que o homem se lhe dirigiu,
polidamente ainda que com ar resoluto. A princípio não percebeu, julgara ter
ouvido mal. Decerto um pouco intimidado ante o seu ar de incompreensão, o
cavalheiro repetiu contudo:” Senhora
Mélanie Beaumont, não é assim? Sou seu filho.”
A princípio ficou como que paralisada.
Depois, segurando-se nas pernas, olhou o moço bem de frente e começou ao mesmo
tempo a reflectir. É que lhe achava um ar familiar. Ferdinand, o gascão de
bigode fino e olhos indagadores? O Egobert, que era caixeiro e gostava da sua
pinga? O Maubart, que apesar de aborrecido era bom sujeito? Não era capaz,
digamos, de enquadrar a cara do moço numa recordação determinada.
Mas sorriu, já com a ideia fisgada de lhe
fazer depois um interrogatório em regra. “E
o senhor seu pai…como vai passando?” perguntou com natural delicadeza
embora um pouco indecisa.
Enquanto o rapaz lherespondia, esclarecendo-a que ele falecera pouco tempo atrás, a senhora Beaumont ia dizendo de si para si que já teria algo para contar à noite, no serão habitual com a vizinha Malverne.
Tradução de ns
Sem comentários:
Enviar um comentário