quinta-feira, 11 de junho de 2020

Um poema de Maria do Rosário Pedreira


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LAMENTO DA CORTESÃ


Deixa ficar a mão – sabe bem
essa carícia sem querer. Uma

coxa devia ser sempre isto –
distracção e ternura –, e não
o que dizem dela os maus
romances. Eu bem sei que

escancarei as minhas vezes
demais na vaga esperança de
um dia enriquecer. Deixei-os
vir a mim, e vieram, e vieram-se,

e foram outra vez. Hoje tenho
trinta e dois anos e uma vulva
velha. Estou também demasiado
cansada para ser mãe: já quase

não durmo – nos meus sonhos só
há buracos negros. (Um parêntese:
continuo pobre.) Deixa ficar

a mão: para variar, tatua na
minha coxa essa espécie de
carinho sem querer. Foi sempre

sem querer o que tive da vida:
estranha diversão que nunca
passou sequer rente ao amor.

                                                             Dezembro de 2019
Do livro PECADOS CORRENTES, uma edição das Correntes d’escritas
organizada por Renato Filipe Cardoso

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