quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Um poema de Pere Gimferrer

 


ns



MIL NOVECENTOS E SESSENTA

 

De repente, nas escuras balaustradas, um rosto,

um lírio cortado frente ao pôr do sol de cristal,

um martim-pescador abatido no vão da escada,

mãos que tremem como a noite gelada.

Na ponta dos pés voltando no meio da noite,

na ponta dos pés, o amor de

quinze anos.

Carros pretos passam com um sussurro de sedas

na quente noite dos mambos, arroxeado

sacrifício

para a escuridão azul das pistas de baile!

Com um gravado no peito, com um gravado nos lábios,

com uma rosa nas mãos,

Paul Anka canta como a chuva no escuro de setembro.

A estação de névoa e as destruições

abate galerias envidraçadas, presentes da água e da noite, sereias

como cálices de espuma.

Como um farfalhar de saias, oh minha doce senhorita.

Ainda assim, o meu avô vai ler Vermelho e Preto no final do corredor,

vendo o jardim sombrio pingar atrás dos vidros

enevoados.

Esta voz é a sua. Que humidade, que silêncio.

Alguém me dá a mão e é a sacada, o grito dos andorinhões,

os carros eléctricos dourados no crepúsculo cerrado,

o fantasma de Robert Taylor como a morte nos cinemas,

as maçãs do rosto das meninas do Instituto com as suas pastas

debaixo do braço e os seus sorrisos, e dir-se-ia que todas têm

 

os olhos azuis.

 

(Tradução ns)


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