Pere
Gimferrer (Barcelona, 1945) é poeta, prosador, crítico literário e tradutor
espanhol. A sua obra literária é
composta por textos em espanhol e catalão. Foi eleito membro da Royal Spanish
Academy em 1985. A sua obra poética inclui: “Morte em Beverly Hills”,
“Aparências e outros poemas” e “O diamante na água” entre diversos outros.
Recebeu o Prêmio Nacional das Letras Espanholas em 1998.
PRIMEIRO
POEMA
Eu, que fundei todos os meus desejos
sob vários géneros de eternidade,
vejo a minha sombra crescendo ao sol de
Julho
sobre o pavimento de cristal e de prata,
enquanto numa baforada ardente
a morte ocupa o seu lugar debaixo dos
guarda-sóis.
O vime, as bebidas de cores vivas, as
luzes oxigenadas que pingam devagar,
banhando num obscuro esplendor os torsos,
acariciando
com fulgores de ferro luzente uns ombros
nus, uns olhos eléctricos,
um doirado tombar de mão no ar silencioso
o resplendor de uma cabeleira caindo
desalinhada
entre música suave e luzes indirectas,
todas as sombras da minha juventude
numa habitual figuração poética.
Às vezes, nas tardes de tormenta, uma
aranha avermelhada pousa
nas vidraças
e pelos seus olhos são fixamente olhados
os bosques enfeitiçados.
Salas interiores, mágicas para os silenciosos guardiões de ébano,
felinos
e nocturnos como senegaleses,
cujos passos quase não soam no meu
coração!
De noite não se acordam os melros do seu
prateado sonho.
Assim são estas horas de juventude,
pálidas como ondinas
ou heroínas de ópera,
tão frágeis que morrem não de viver mas de
sonhar.
No seu envoltório de veludo obscuro dorme
o príncipe.
Abandonados caracóis na sua mão se
entrelaçam. Fundamente caídas
as pestanas velaram os seus olhos como uma
gota de verniz e de amianto.
A escondida tepidez das coxas faz deslizar
o seu suspiro de gavião agonizante.
O peito arfa como uma harpa desfolhada no
Inverno e sob o casaco de malha
o coração deixa suavemente de bater.
Amados olhos, doces horas de ferro e de fogo
rosas de carne incandescente e delicada,
fulgores de magnésio
que me surpreendeis a sombra nos bares
nocturnos ou ao sair do cinema, salvai
meu coração em agonia sob a luz pesada e
densa dos holofotes!
A noite cai como uma fina lâmina de aço.
É a hora em que o ar põe as cadeiras em
desordem, revolteia sob os toldos
faz tilintar os copos, parte um ou outro,
roça regressa suspira e de repente
esmaga um homem contra uma parede com um
surdo estalo repercutido.
Beija-me entre a névoa, minha amada. Ficou
a noite tão fria
neste par de horas. Está o luar tão
borrascoso e tão húmido
como numa antiga fita de amor e
espionagem.
Deixa-me guardar entre as mãos uma estrela
do mar.
Que pele tão delicada tu rasgarás com os
dentes. Morte
que lábios, que respiração, que peito doce
e mórbido
tu afogas.
(Tradução de nicolau
saião)
Sem comentários:
Enviar um comentário